domingo, 30 de março de 2008

Reforma Psiquiátrica e Política 2 - Um Diálogo

[Discussão feita a partir do texto previamente publicado "A Reforma Psiquiátrica - Verdades, Mitos e Política".]


Marcelo Duarte diz:

Mas então, o que tu fez nesse texto foi questionar os argumentos favoráveis à reforma, ou pelo menos favoráveis à reforma tal como ela aí está.

Andarilho diz:

Questionamento que nunca é feito por quem é favorável à reforma psiquiátrica

Marcelo Duarte diz:

Tu não chegou a apontar o dedo para coisas mais específicas, até porque tu não conhece o CAPS por experiência e nem o sistema psiquiátrico muito bem. Mas sim, o questionamento é válido. Este ano minha geração de Amoladores foi toda para a rua. Todos os malucos foram fazer AT, que é um xodó da reforma psiquiátrica.

Andarilho diz:

Foram para a rua no sentido de irem para o "mundo real"?

Marcelo Duarte diz:

Exato. O Bruno inclusive está no São Pedro. E me falou que vai passar essa semana inteira estudando sobre crack. Porque deu merda com um dos moradores lá do Morada e ninguém sabe muito sobre crack. Então ele tem o nobre dever de estudar sobre algo que realmente será convertido em ajuda real para alguém.

Andarilho diz:

Algo incomum em Psicologia

Marcelo Duarte diz:

Certamente. Mas então, eu entendo que tu esteja irritado com as argumentações supérfluas e enviesadas dos nossos caríssimos amigos psicólogos. However, antes de mais nada, me diga tu tem algum argumento interessante para fazer diretamente contra o CAPS e seu contexto? Não precisa ser nada de mais, só quero entender de onde vem o teu raciocínio.

Andarilho diz:

Na verdade, não tenho nenhum argumento contra o CAPS, até por que só sei o básico do básico a respeito dele. Meu raciocínio vem daquela discussão sobre "política tudo é". Será que o serviço do sistema substitutivo não melhoraria se a política fosse deixada um pouco de lado? Tá, tem o SIMERS e o CREMERS em cima da Câmara dos Deputados sempre tentando reverter a reforma, o que obriga os mentaleiros a formar uma tropa de choque contra esses ataques. Mas nessa lenga-lenga toda, não jogaram o bebê junto com a água do banho, e se esqueceram que a missão deles não é instituir la revolución psiquiátrica, mas atender bem aqueles que procuram ajuda?

Marcelo Duarte diz:

Pois é. Vocês não têm psicologia escolar ainda, não é?

Andarilho diz:

Acho que Processos Institucionais "engoliu" Escolar e Trabalho. Mas não tenho muita certeza. Vamos dizer que não tivemos Escolar ainda.

Marcelo Duarte diz:

Ah. Bom, com sorte vocês ainda verão, então, que muita coisa de TODOS os sistemas seria melhorada se deixássemos a política de lado. A rede de educação municipal é uma folha ao vento das políticas governamentais rotativas. É uma loucura. E deixar isso de lado é muito tentador. A tecnocracia sempre esteve presente nas utopias dos romancistas. Só que isso é meio difícil de fazer, pra não dizer impossível. O problema dessas coisas é que não existe uma resposta certa. Não existe um método "bom". Então tu tem que escolher e aí entra a política. Sempre que tiver escolha, vai ter política. Não vai ter política quando tu puder impor as coisas. E mesmo assim tem política pra fazer os outros aderirem. Ainda mais nessas coisas intimamente governamentais, como educação e saúde.

Agora, quanto à reforma em si, eu já fui no CAIS mental centro, que é um CAPS. Algumas coisas que se fazem lá são bem criticáveis. E eu não duvido nada que os mentalmente transtornados morrendo na rua lá não sejam por culpa dos CAPS, em algum grau. E que isso seja ruim. Mas no geralzão da coisa eu ainda penso por um outro ângulo: o mérito do CAPS por enquanto é que alguns que se salvam vão viver uma vida decente. Ou no mínimo razoável, digna de alguma forma. Tem gente que morre na rua, tem gente que morre nos hospitais. Perdas haverá igual. Mas no hospital fica todo mundo chapado andando em círculos. - Ou não! - Eu também não tenho certeza se é assim. Mas é assim que se costuma retratar. E no CAIS eles jogam futebol com o Luciano. Tsc tsc.

Andarilho diz:

Eu ia fazer um comentário sobre pessoas chapadas andando em círculos no Instituto de Psicologia...

Marcelo Duarte diz:

HEASHEHASHESA

Jogar futebol com o Luciano pode não ser taaaão melhor. Mas é um pouco melhor.

Andarilho diz:

O que eu questiono é esse enfoque exclusivo sobre a política. "Já que não existe uma atitude certa, todas estão erradas, e portanto a minha é melhor porque é minha".

Marcelo Duarte diz:

É, isso é obviamente uma porcaria. Política exclusiva não ajuda muito. Eu to ligado no que tu tá querendo dizer. Tem gente que tá esquecendo a saúde pra defender uma bandeira. À lá MST ou algo assim. Vira uma massa de manobra.

Andarilho diz:

Às vezes eu acho que nós somos essa massa de manobra.

Marcelo Duarte diz:

"Vamos defender os CAPS porque os psiquiatras são maus e ponto" Claro que não dá pra ser assim. E eu te apóio na tua crítica. É muito fácil tu ficar emburrado com a classe médica e deixar a crítica morrer aí. Até porque, eu sou obrigado a te dizer que os médicos são foda MESMO. Eles fazem por merecer as críticas que recebem. Mas mesmo assim, não dá pra fechar os olhos e sair chutando. Right?

Andarilho diz:

Right-o.

sábado, 29 de março de 2008

A Reforma Psiquiátrica - Verdades, Mitos e Política

Estava pensando um dia desses sobre o que vejo na faculdade, e o tema da Reforma Psiquiátrica e do Movimento Antimanicomial vieram-me instantaneamente à mente. Tive aulas de Psicologia Social e Políticas Públicas com Simone Paulon, uma das principais pesquisadoras da área, compareci à terceira edição do Mental Tchê em São Lourenço do Sul e muito ouvi meus veteranos falarem a respeito.

Basicamente, os princípios que norteiam a luta antimanicomial são os da humanização dos serviços de saúde mental, e por uma maior descentralização do poder dentro destes serviços, agora concentrados nas mãos dos psiquiatras. O ideal da reforma psiquiátrica é, em outras palavras, garantir que seus usuários sejam tratados como os seres humanos que são, e não como os internos de hospícios tem sido historicamente tratados, como animais. Neste ponto, acho que todos, desde psiquiatras até psicólogos concordariam.

Mas não consigo parar de me questionar se a reforma psiquiátrica até agora empreendida conseguiu fazer o que se propôs. Ela está dando certo?

Com certa freqüência, vejo notícias de jornais falando sobre como usuários de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que deveriam de certa forma “substituir” os hospitais psiquiátricos, são mau atendidos, não recebem seus remédios, que vivem um constante “entra-e-sai” do CAPS. Estes jornais frequentemente defendem que isto não pode continuar desta maneira, e que a única solução seria restabelecer os manicômios. Vários colegas de curso, ao se depararem com tais reportagens, saem bradando que a mídia é “reacionária” e que foi “comprada” pelos psiquiatras. Poderia pensar assim também, e não ter que agoniar-me com as dúvidas que agora me afligem, e ser aceito como mais um feliz estudante de Psicologia com pensamento crítico, mas prefiro ser levemente reacionário e ignorante, e questionar se o que estes jornais afirmam (o mau atendimento de usuários de CAPS) é verdadeiro ou não. E, usando um pouco do abominado senso comum, não vejo o que a mídia teria a ganhar fabricando notícias sobre o sistema substitutivo. Nenhum jabá corporativo valeria a sua credibilidade se este sistema funcionasse perfeitamente.

Admito minha ignorância a respeito deste assunto, pois não conheço nenhum CAPS por dentro, e as poucas coisas que conheci a respeito da reforma psiquiátrica me foram apresentadas por seus defensores, o que torna seu testemunho um tanto quanto suspeito. Sempre que ouvimos um psiquiatra criticar a reforma psiquiátrica, dizemos que ele é “enviesado” e tem “motivações políticas”, pois seu poder com esta reforma esta se esvaindo. Mas por que não dizemos o mesmo quando um psicólogo defende a reforma, pois ele está ganhando poder com ela?

É uma questão complicada. Ouço dizer bastante que por trás de toda teoria técnica há um discurso político. Que os psiquiatras defendem os hospitais psiquiátricos por que nestes eles detêm poder absoluto. Mas isto torna a eficácia das técnicas psiquiátricas nulas, meros epifenômenos do sistema político da saúde mental? Sei que, historicamente, pacientes psiquiátricos foram simplesmente empilhados em prédios sujos e escuros e lá esquecidos, mas será que foi (e é) assim mesmo? Mais uma vez, admito minha ignorância, pois nunca conheci um hospital psiquiátrico de verdade. Fui no São Pedro uma vez, mas acho que não posso tomá-lo como modelo, já que, por ter sido o primeiro do estado, ele é um símbolo da força dos psiquiatras, e portanto é um alvo preferencial dos ataques reformistas. Acho que a Clínica Paulo Guedes de Caxias do Sul seria um melhor exemplo, por ser um tanto quanto ignorada no plano político estadual (nunca me falaram nada a respeito dela. É só São Pedro na cabeça).

Recebi um e-mail uma vez, através da lista do COREP, falando sobre uma dessas reportagens “reacionárias” que saiu n’O Globo do Rio de Janeiro, sobre pacientes psiquiátricos morrendo na rua. Não lembro direito dos detalhes, mas lembro que o autor da mensagem conclamava a todos nós a repudiar a tal da reportagem, e a trabalhar rapidamente para “conter os danos causados” por ela. Por “contenção de danos” neste contexto, imagino que fosse convencer a opinião pública de que a reportagem não refletia a realidade. Não sei se reflete, e confio que meus colegas mais experientes esclareçam este tópico. Mas fico pensando... por que a mensagem deste e-mail era sobre “conter os danos causados” pela reportagem, e não “impedir que mais mortes aconteçam” por causa das falhas do sistema substitutivo? Os argumentos de que não há dados estatísticos sobre as mortes dentro de hospitais psiquiátricos, e que se mantivermos o apoio da opinião pública, a reforma poderá continuar, e a condição geral dos usuários do sistema de saúde mental melhorará foram os primeiros que eu usaria em defesa da contenção de danos e de uma publicidade eficiente. Mas um mestre de Karatê me perguntou durante um treino: o que é melhor: ser eficiente ou parecer eficiente? É uma posição filosófica bem diversa da máxima maquiavélica de que parecer é mais importante do que ser. Além disso, devo admitir que Artes Marciais e Políticas Públicas são domínios bem diversos, e que muitas coisas que se aplicam à uma, não se aplicam á outra. Mas será que parecer é mais importante do que ser?

Dizem que a melhor forma de propaganda é o boca-a-boca: alguém usa seu serviço, gosta, e recomenda para os amigos e conhecidos. Desta maneira, se você for bom no que faz, logo terá uma clientela cativa. Não sei se há estudos confirmando este fenômeno, mas casos anedotais a respeito disto existem por toda parte. Seria demais supor que a melhor publicidade para a reforma psiquiátrica é seu funcionamento eficaz? Cansei de ouvir que “político, tudo é”, para citar ainda outro e-mail que recebi sobre estas pendengas. A parte técnica, prática e funcional não quer dizer absolutamente nada? É só um mal necessário, como o extintor de incêndio obrigatório em todos veículos automotores (que diga-se de passagem, não serve para muita coisa)? Utilizando-me desta lógica, é possível defender a substituição da Psicologia e da Psiquiatria no tratamento de transtornos mentais, e colocar Terapia de Florais em seus lugares. Afinal, não é tudo política? Se eu for um terapeuta floral muito eficiente no campo da política, eu posso passar por cima de todas as pesquisas empíricas irrelevantes e fazer do meu discurso mais importante que todos os outros. Certo?

O que quero questionar não são os objetivos da Luta Antimanicomial, muito nobres, mas seus meios, que, pelo que me parecem, não são lá grande coisa. Claro, os seus defensores conseguiram transformar a reforma psiquiátrica em lei, e isso demonstra grande habilidade e força, especialmente quando se pensa que o adversário principal da reforma seja o cartel médico. Impedir que as freqüentes ondas de ataque vindas do “outro lado” derrubem a lei é outra prova de poder. Mas e os pacientes psiquiátricos, como ficam? Não tenho a menor dúvida de que há milhares de psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, terapeutas ocupacionais e outros tantos profissionais que trabalham com saúde mental preocupados com as condições daqueles que procuram sua ajuda. Mas as reportagens que vira e mexe aparecem, falando sobre pacientes de CAPS morrendo feito moscas, por mais questionáveis que possam ser, trazem à tona algo que pode ser verdadeiro: o sistema substitutivo não está dando conta do recado. Isto é verdadeiro realmente? Não sei. De novo devo admitir minha ignorância sobre este assunto, já que não conheço o “front”, e passo (por enquanto) todo meu tempo atrás de livros e polígrafos xerocados. Mas se simplesmente refutarmos estas afirmações como sendo “descabidas”, ou mesmo “reacionárias” e “mentirosas”, sem discutir criticamente o que acontece, vamos tirar os psiquiatras de seus locais de poder, e colocar os psicólogos em outro.E chamar quem é contra isso de desalmado ou coisa pior.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Para além da Política e Opinião

Em um processo científico, a crítica é fundamental. Primeiramente, por que ela permite que o pesquisador seja privilegiado com informações advindas de outros campos, e desse modo, pode enriquecer seu delineamento experimental. Segundo, por que alguns erros óbvios não são tão óbvios quando olhamos muito perto, e alguém mais distanciado pode apontá-los. Portanto, é sempre salutar quando um cientista promove debates sobre pesquisas alheias, pois isto potencializa o progresso. Mas entrar na justiça para proibir uma pesquisa, com a desculpa de “discutir com a sociedade” não é só desonesto, é covarde e mesquinho.

Esse é um assunto antigo, tanto aqui, quanto no Amoladores de Facas. Já cansei de falar a respeito das posições adotadas por muitos dos críticos da pesquisa que será (ou não) realizada por neurocientistas da UFRGS e da PUCRS com meninos internos da FASE, utilizando-se de técnicas como Pet Scan, Eletroencefalograma e Ressonância Magnética. Mas através das discussões de que participei sobre ela, pude notar várias incongruências no discurso destes “campeões dos direitos humanos”.

Michel Foucault, importante filósofo e sociólogo francês, através de suas pesquisas, concluiu que, por trás do discurso psiquiátrico de várias épocas havia um discurso político, que era mais significativo do que o discurso técnico. Por exemplo, era comum que mendigos, bêbados e outros moradores de rua incômodos fossem internados em hospícios, para que não incomodassem a “boa sociedade” com sua visão asquerosa. Por chocante que possa parecer, isto ocorre até hoje. Basta apenas visitar um hospital como o “glorioso” São Pedro, ou o Instituto Psiquiátrico Forense. Foucault apontou algo incômodo, porém verdadeiro, uma verdadeira mancha em nossa sociedade. Mas, como bom guru que se tornou (duvido que por desejo próprio), teve seus ensinamentos devidamente postos no Altar da Certeza.

Numa das primeiras discussões em que me envolvi sobre essa pesquisa, reclamei que os críticos estavam focando-se exclusivamente na política, deixando de lado as questões técnicas. Recebi como resposta “político, sempre é”. Tirei do contexto, o que pode ter desvirtuado seu sentido original, que dizia que posicionar-se contra ou a favor de uma pesquisa é um posicionamento político, mas representa bem o que quero demonstrar. No agora famoso debate da TVCOM sobre este mesmo assunto, Martha Narvaz começou sua parte dizendo exatamente isto aqui:

A gente sabe que existem diferenças de discurso teórico, que são os discursos da biologia, discursos da genética, discursos da psicologia, e dentro da psicologia, tem a psicologia experimental, que pensa diferente de outras linhas teóricas. E a gente sabe que todos esses discursos vão disputar no meio acadêmico a sua condição de verdade.”
(grifo meu)

Este debate deveria ser exibido para todos os calouros de Ciências Humanas da UFRGS, com o título “Como não fazer ao se posicionar em um debate”. Ela é tão ruim debatedora que foi uma dor ter que voltar o vídeo várias vezes para pegar a parte que eu queria. Destaquei a última frase da citação, que considero paradigmática. Em outras palavras, ela diz “nossos discursos valem a mesma coisa, não importa qual seja mais útil, ou empiricamente validada. O que conta é opinião”. Ao longo de todo o debate, diversas vezes ela diz coisas do tipo “é uma opinião minha, pessoal, mas essa pesquisa é eugenista!” Não acredita? Vai lá e olha todos os quatro vídeos. Não sou masoquista pra ficar olhando tudo de novo. Mas enfim, o que ela faz é colocar coisas bem diversas, desde Terapia Cognitivo-Comportamental até Terapia de Florais no mesmo balaio, joga fora todos os experimentos que atestam a eficiência da primeira e colocam em dúvida a da segunda, e diz que o que importa é o discurso político. Quem tiver mais muque é quem está certo (um discurso legitimamente nazista). Peguei pesado, admito, primeiramente por que ela não falou de TCC e de Florais, e muito menos defenderia esta última, mas com este exemplo, pretendo demonstrar o sofisma que ela utilizou como argumento. Se eu quisesse defender que a Terapia de Florais é superior à Terapia Cognitivo-Comportamental, eu utilizaria argumentos muito semelhantes aos da doutoranda Martha.

Desprezar a parte técnica da ciência, e focar-se apenas nos aspectos políticos que envolvem a teoria é perigoso. A História, para quem a Martha apelou quando falou no mr. Hitler, dá um bom exemplo do que aconteceu quando a técnica foi ignorada: Trofim Lysenko. Para quem não conhece esta figura e não está com paciência para ler o artigo da Wikipédia, Lysenko foi um geneticista soviético que decidiu ignorar as descobertas de Gregor Mendel no campo da genética, tirou uma teoria própria do ar, convenceu Stalin que não existia coisa melhor no mundo, expurgou seus rivais teóricos do país,e aplicou suas teorias nas plantações de trigo da União Soviética. O que aconteceu em seguida foi uma queda espantosa na produtividade, falta de alimentos e fome generalizada. O lado que ficou com o velho Mendel conheceu destino mui diferente, a Revolução Verde, o maior salto em produtividade de colheitas. Imaginem se, lá nos idos de 1940, geneticistas ocidentais influenciados por Lysenko começassem a falar que tudo é discurso, e convencessem os presidentes de seus respectivos países a proibirem pesquisas em genética mendeliana, só na lábia?

Em um campo como as Ciências da Saúde, isto é tão ou mais perigoso. As Neurociências tem se mostrado extremamente promissoras nos últimos dez anos, trazendo benefícios concretos para a humanidade, e não para o conceito abstrato de “progresso científico”. Elas têm beneficiado pessoas. Se existe um discurso político por trás das neurociências, da Terapia Cognitivo-Comportamental? Certamente. Estes discursos políticos influenciam os rumos da pesquisa? Qualquer um que trabalha com pesquisa sabe que sim. É o discurso político o fator mais importante por trás da ciência? Não. O fator mais importante é o bem-estar de todos os seres humanos, estejam eles envolvidos ou não no processo científico.

Peguei apenas um extremo da discussão e ampliei-o para tornar meus argumentos mais claros por contraste, mas nem de longe as posições aqui criticadas representam a opinião da maioria. Muitos de meus colegas são contrários a esta pesquisa, por temerem que os meninos envolvidos fossem tratados como absorventes (ignorados depois da pesquisa), que os procedimentos envolvidos acarretassem mal físico ou psicológico, ou que as vias políticas pelas quais os pesquisadores caminharam para ter acesso à FASE fossem duvidosas. Mas nunca endossaram seu boicote. O palestrante do último seminário em pesquisa em psicologia levantou justamente o problema do discurso positivista por trás desta pesquisa, mas rechaçou a idéia de apelar para a Justiça proibir sua realização. Questionou a teoria e os métodos. Baseou-se em opinião e política, mas foi muito além delas. Foi um verdadeiro cientista.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Leis da Natureza

Frases...
“Gravity. It isn’t just a good idea. It’s the law.”
“Everything in our world is purely mathematical — including you”

An article in Science Times on Tuesday about the laws of physics and nature misstated the time in which Plato was forming his idea of a higher realm of ideal forms. It was in the fourth century B.C.; it was not “a few hundred years” after the fifth century B.C., when the Greek mathematician and philosopher Pythagoras and his followers proclaimed that nature was numbers.

http://www.nytimes.com/2007/12/18/science/18law.html?_r=2&pagewanted=all

sábado, 15 de março de 2008

Sobre o Naturalismo Científico

Baseado no texto que o Lobo da Estepe escreveu, farei o meu comentário sobre o Naturalismo Científico. Concordo em grande parte com o que o amiguinho disse, tirando algumas questões pontuais. Primeiramente, discordo da afirmação de que "a mente é produto do cérebro", pois está incompleta. Outros fatores também influenciaram nosso pensamento, como nosso ambiente, sociedade e cultura, nossa biologia, a evolução e talvez fatores extraterrenos que ainda desconhecemos e/ou não temos como quantificar.

E me vejo aqui na posição de defender os tais dos "bonecos de palha franceses" e suas filosofias derrotistas (que situação!). Concordo com o Lobo quando ele diz que a posição dos "destruidores de paradigmas" é derrotista, e não poderia ter dito isto de forma melhor. Mas o que me incomoda com a posição deles não é a negação da Verdade Única, pois afinal, não sabemos se ela realmente existe. O que me incomoda é como, usando este argumento de que a Verdade não existe, eles relativizam tudo, colocando todas as pesquisas, úteis e inúteis, boas e ruins, no mesmo patamar. Através dessa falácia argumentativa, eu posso justificar as pesquisas realizadas na Alemanha nazista que "comprovaram" a inferioridade dos judeus e outras etnias perante os Arianos. Para ver esta falácia sendo usada na prática, não precisamos voltar muito no tempo, no máximo até novembro do ano passado, e ver as reações de antropólogos, psicólogos, advogados e outros profissionais sobre a pesquisa ainda por ser realizada pelo Laboratório de Neurociências da PUCRS sobre Neurologia Comportamental com meninos com histórico de comportamentos agressivos. O Jeffbass colocou aqui o editorial da Folha de São Paulo sobre este assunto, e já falamos os suficiente a respeito disso aqui. Por enquanto, falemos de Naturalismo Científico.

De fato, como bem falou o Lobo, o Naturalismo Científico foi crucial para o progresso das Ciências Naturais nos últimos três séculos. Só o fato de eu estar escrevendo este texto no meu computador e colocando-o a disposição de milhares de pessoas ao mesmo tempo* através desta coisa maravilhosa (mas nem tanto) chamada internet é prova disto. As pesquisas de Química e Física tornaram isto possível. As Ciências Biológicas também avançaram a passos largos com esta metodologia, e a Medicina está aí para provar isto.

Mas e as Ciências Humanas? A Antropologia, a Sociologia e principalmente a Psicologia: qual foi o progresso destas disciplinas, se comparadas com suas irmãs mais velhas (Física, Química, Biologia)? Como estudante de Psicologia, não exito em dizer que foi nulo. Em nossa missão para melhor compreendermos o ser humano através, ainda estamos engatinhando, tanto que não foram poucos indivíduos que afirmaram que há mais Psicologia nos livros dos romances do que nos manuais da APA (American Psychological Association). Por quê é assim? Por que não aplicamos de maneira rigorosa o suficiente a metodologia naturalista em nossas pesquisas? Acredito que é justamente o contrário: para as Ciências Humanas, o Naturalismo Científico é de pouca valia. Como bem disse o Lobo, conceitos abstratos, não visíveis e não quantificáveis são deixados de lado na pesquisa naturalista. E os pensamentos**, os sentimentos e as motivações humanas caem justamente nesta classificação, pois ainda não conseguimos desenvolver nenhum instrumento que quantifique satisfatoriamente estes construtos. E mesmo que um dia consigamos fazer isto, eles serão de pouco uso se utilizados isoladamente (pretendo escrever sobre isso futuramente).


Não estou dizendo que o Naturalismo Científico seja inútil para a pesquisa em Ciências Humanas, apenas que seu uso é limitado. Veja por exemplo as Neurociências: de certa forma, técnicas como o MRI (Magnetic Resonance Imaging) e o EEG (Eletroencéfalograma) tornaram possível ver a mente em atividade ("é uma foto da mente!"). 50 anos atrás isto seria impensável, mas graças à tenacidade e criatividade de muitos cientistas, que seguiram os princípios do Naturalismo, isto tornou-se não só possível como muito comum. Entretanto, se fossem utilizados apenas os equipamentos para a pesquisa neurocientífica, teríamos apenas um amontoado de dados e figurinhas bonitas e brilhantes do cérebro em atividade. O finado Franscisco Varela, biólogo, filósofo e neurocientista da mais fina cepa identificou esse problema, e resolveu-o. Segundo ele a pesquisa em neurociências divide-se em três pessoas: a terceira pessoa são os equipamentos e seus resultados, a segunda pessoa é o pesquisador analisando os dados coletados e a primeira pessoa é o relato da pessoa sendo examinada. Varela chamou a técnica de terceira pessoa de "Neurofenomenologia". Sem estas três pessoas envolvidas ativamente na pesquisa, não teríamos progredido quase nada: sem o equipamento não há meio de avaliar o funcionamento cerebral; sem o pesquisador não há quem seja capaz de interpretar os dados; e sem o sujeito da pesquisa não há como dar significado aos dados. É o sujeito quem irá dizer o que e como ele está pensando e sentindo. Sem esta informação, as figurinhas bonitas são insignificantes (sem significado). Por isso que em suas pesquisas Varela tentou investigar o funcionamento cerebral de mestres em meditação, que tem maior prática em descrever seus estados internos.



Como Amolador de Facas que sou, acredito que o Naturalismo Científico foi e ainda é essencial para o progresso científico e da humanidade como um todo, e abomino relativismos extremados e irracionais. Entretanto, também abomino absolutismos, e sei que, um dia, o próprio Naturalismo Científico irá dar lugar para outros pressupostos, mais abrangentes e eficazes. Talvez isto já esteja acontecendo em alguns campos de pesquisa nas Ciências Humanas.




* Não que milhares de pessoas ao mesmo tempo irão lê-lo, mas a possibilidade existe.

** Antes que alguém venha me dizer que pensamentos não existem e citar Skinner, já digo: vai ler de novo. A posição de que os pensamentos são uma ilusão vem do Behaviorismo Metafísico, proposto por John B. Watson, que afirmava que eles eram apenas movimentos imperceptíveis da traquéia. A posição de Skinner é muito mais sofisticada. Segundo ele, os comportamentos internos (termo que ele dava para "atividade mental" e similares) existem, pois qualquer um pode observar os seus próprios pensamentos. O que ele questionava era a relevância desta introspecção para a Psicologia e a influência destes nos comportamentos externos das pessoas (posição que garantirá muitas discussões futuras).

quinta-feira, 13 de março de 2008

Divindades

Quando a Psicologia e a Sociologia degeneram em ciências totalitárias, manifestam-se estranhos fenômenos entre seus adeptos. O desejo de poder domina o desejo de verdade. O conhecimento que se tem do homem passa a ser mais importante que o próprio homem. Adota-se por vezes, atitude de singular superioridade, como a de quem possuísse conhecimento absoluto, capaz de tudo penetrar e de tudo esclarecer. Dessas alturas, olha-se para as misérias humanas. Toma-se a posição de Ser Superior, que domina espiritualmente o mundo - o que se torna de um ridículo todo particular, quando se é pessoalmente um pigmeu.

-Karl Jaspers

A primeira coisa que lembrei-me ao ler este parágrafo do livro "Introdução ao Pensamento Filosófico" de Jaspers foi da atitude de certos representantes do CRP-RS e de certa doutoranda da UFRGS, que provavelmente diriam que não concordam com a obra deste filósofo, o que a invalida automaticamente.