domingo, 19 de abril de 2009

Ciência e Psicologia (2)

Inspirado na postagem do Andarilho, resolvi também expressar minha opinião quanto a esse delicado assunto. Perdoem se for dificil de entender o que pretendo dizer, mas tenho sérios problemas com linguagem escrita e organização de pensamentos (vocês verão que o que digo é trazido por muitos autores diferentes, mas que se misturam na minha cabeça e não consigo distingüir as idéias de cada um).

Muitas vezes, e por muitas pessoas, já fui chamado de "religioso da ciência", "amante de Darwin", e assim vai. Gostaria de esclarecer um pouco desse pouco conhecimento que as pessoas tem sobre mim e sobre meu pensamento, de maneira que, antes de me criticarem, saibam como eu penso no momento.

Entrei no curso de graduação em Psicologia com o intuito de estudar Psicanálise e seguir trabalhando nessa área; após algum tempinho de estudo sobre o assunto, percebi a circularidade da teoria Freudiana e os perigos isso poderia causar (os tais Mecanismos de Defesa colocam qualquer paciente na mão do analista). Passei a me interessar então pelo Behaviorismo Radical de B.F. Skinner, o que não durou mais que alguns livros (quando percebi que o próprio conceito de Contra-controle acabava também por dar circularidade à teoria).
É importante dizer também que durante um ano trabalhei seguindo a idéia da Psicologia Social contemporânea, com seu ético-estético (que, no entanto, pelo que a própria teoria diz, não tem a finalidade de criar uma ciência da mente humana). Me empenhei em pesquisa e estudo dentro da biologia (neurofisiologia e bioquímica) acreditando que o conhecimento do cérebro levaria à compreensão da espécie humana; é como pensar que olhar os chips de um computador nos indicarão o que está na tela, ou olhar um CD nos indicará como é a música que tem nele.
As neurociências não foram suficientes para estudar o humano...
No momento atual, tento juntar a Psicologia Cognitiva (o que temos de menos pior até agora) com as Neurociências, para termos alguma compreensão sobre o homem, tentando separar suas implicações filogenéticas, ontogenéticas, e culturais.

Se consegues ver essas quebras de paradigma dentro da minha própria história, podes ver que de religioso não tenho nada... O que leva as pessoas a pensarem que sou um "apaixonado" é que, enquanto não tenho conhecimento de evidências contra a teoria a qual defendo, visto a camiseta e levanto a bandeira (o que não vejo mal nenhum em fazer, contanto que não se feche à aparição de novos fatos científicos).


Minhas divagações atuais sobre ciência:

Como podemos ver em vários filmes recentes (Sombras de Goya é um bom exemplo), historicamente ocorreram inúmeros erros em favor de teorias que se julgavam certas. O Darwinismo Social, a Religião, o Comunismo, etc, condenaram milhões de pessoas à morte por causa de um ideal de verdade contextual.
É exatamente o ponto onde tanto a ciência indutiva quando a dedutiva parecem falhar. Se somos puramente descritivos, nunca poderemos julgar nada sem um imeeeeeeenso número de observações; se adotamos um método explicativo, corremos o risco de deixar os fatos passarem despercebidos e fazemos julgamentos precipitados.
A resposta que uma grande parcela de psicólogos tem dado para essa questão é "não vamos julgar, então", que, convenhamos, não resolve o problema.

Atualmente quando me perguntam sobre o que acho das teorias que estudamos na faculdade, freqüentemente respondo algo do tipo: "A Psicologia Social atual até que tem serventia, a Psicanálise que caia fora".
O que tenho visto como interessante na contrução do conhecimento científico entra aí.

Meu modelo atual é que o conhecimento ocorre em uma espiral tridimensional, como uma mola, no entanto sua base é larga e seu topo é estreito. Pode-se pensar que é uma alegoria à dialética, mas com um novo eixo.

O conhecimento se melhora quando existe uma junção entre uma teoria com base em fatos científicos e um conhecimento sem teoria alguma, que chuta pra todos os lados, totalmente pulverizado. Conforme vão ocorrendo interações entre a teoria e a anti-teoria, vão ocorrendo novas experiências, e a espiral vai crescendo verticalmente (eixo vertical representa o número de fatos explicados).
Desse modo, podemos pensar no paradigma ético-estético como coadjuvante para o melhoramento da ciência, pois será o cara chato que estará sempre cutucando o cientista onde julgar que há equívoco (para que não matemos milhares de pessoas em nome de uma teoria falha).

Se o paradigma ético-estético passa a ser uma teoria, perde sua serventia, pois aí entramos num novo dilema; precisaremos de uma outra teoria para 'controlar' a teoria que deveria 'controlar' a teoria científica. A anti-teoria da nossa espiral obrigatoriamente deve ser uma anti-teoria, e não uma teoria concorrente (o que manda a psicanálise para longe, pois ela também não se encaixa com os critérios da teoria científica do outro eixo do gráfico).
Assim, uma das coisas que também penso é que a Psicologia Social atual não deveria ser ensinada como uma teoria no meio acadêmico, mas a ciência em si deveria ser acessível para a população, de forma que se evitem erros.

NÃO ESTOU DEFENDENDO UM ANTI-TEORICISMO, COMO VEM OCORRENDO DENTRO DO CAMPO DA PSICOLOGIA. O PERSONAGEM PRINCIPAL DESSA HISTÓRIA TODA SEGUE SENDO O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, ESSA É SOMENTE UMA PROPOSTA PARA DEIXAR A CIÊNCIA PSICOLÓGICA MAIS DEMOCRÁTICA.

Enfim, talvez tudo isso que eu disse signifique alguma coisa para mais alguém...
Espero que alguém possa opinar e apontar pontos fracos, pois eu mesmo já encontrei vários.

sábado, 18 de abril de 2009

Ciência e Psicologia

Originalmente, quando instalei um contador no meu blog, pensava em usá-lo apenas para isto – contar quantos visitantes o Espadachim Cego recebia. E, de fato, o Bravenet Counter faz isso, como vocês bem podem atestar, mas ele também vem com alguns outros recursos que, talvez por irem um pouco além da mera quantificação, permitem inferências muito mais interessantes.

Destes recursos, o que eu considero mais rico é Visitor Analys (Análise de Visitantes), que permite ver de onde são os leitores das minhas bobagens e o que os trouxe até este blog. Como eu sou mão fechada, uso a versão gratuita do contador, que só disponibiliza as informações dos dez últimos visitantes. Ainda assim, posso atestar que, na maioria dos casos, as pessoas que vêm até o Espadachim Cego são interessadas em Ciências Humanas, especialmente Psicologia.

A Análise de Visitantes não me permite saber se estas pessoas são em sua maioria psicólogos, estudantes de Psicologia ou apenas leigos interessados levemente no assunto. Posso, porém, dar um conselho para todos os que pretendem fazer a graduação em Psicologia um dia ou que entraram este ano na faculdade: preparem-se para estudar uma disciplina cuja cientificidade é altamente contestada, apesar de sua relevância. Que quero dizer com isto? Quero dizer que, por mais que nosso campo de atuação seja amplo e nosso trabalho como psicólogos seja requisitado e importante para a sociedade, sempre haverá um grupo considerável de pessoas que questionará os fundamentos teóricos e a validade do que fazemos. Estes céticos encontram-se em contextos muito diferentes – são filósofos, cientistas da área das exatas (Física e Matemática), e mesmo cientistas sociais e psicólogos – mas que compartilham a dúvida (muitas vezes a certeza) a respeito de um projeto de ciência psicológica. A principal questão que eles levantam é: pode a Psicologia ser considerada uma ciência?

Outras perguntas surgem desta: tal questionamento é positivo, quero dizer, traz algum benefício para a Psicologia ou a sociedade? Pessoalmente, acredito que a resposta para esta questão é afirmativa. Primeiro, por que trabalhamos com um assunto realmente delicado, onde qualquer certeza dogmática a respeito de nossas capacidades e limitações seria potencialmente fatal, seja para nosso projeto científico quanto para as pessoas que atendemos, e um questionamento saudável a este respeito, seja ele incitado por nós próprios ou por outros campos de conhecimento, nos ajuda a mantermos a humildade e o foco. Segundo, a discussão sempre atual da cientificidade da Psicologia, mesmo que não traga nenhum outro benefício concreto, nos proporciona uma oportunidade impar de exercitar nossas capacidades cognitivas e conhecer outros pontos de vista, o que é sempre necessário (e bem vindo) para a criação de novas redes neurais e o fortalecimento de nosso intelecto.

A segunda questão é mais relevante: que argumentos são utilizados por aqueles que consideram que a Psicologia não pode ser considerada uma ciência? Não creio ser capaz de fazer uma lista exaustiva de argumentos, mas o principal (e que mais aparece em discussões) é que a Psicologia, mesmo passados mais de 100 anos desde sua fundação oficial e muitos progressos tecnológicos, ainda não atingiu o objetivo da ciência clássica: a descrição, previsão e controle dos fenômenos estudados – em outras palavras, dar respostas certas e garantidas a respeito de seu objeto de estudo. É inegável que, se comparada com ciências mais tradicionais, em especial a Física, a Psicologia não progrediu muito neste sentido, pois, apesar da maioria dos processos psicológicos estarem descritos em muitos livros de forma satisfatória, tanto nossa capacidade de previsão quanto de controle de comportamentos futuros é parco, mesmo em suas correntes mais experimentais. Como uma estudante de Filosofia deixou bem claro para mim em uma discussão há algum tempo atrás, isso se deve, principalmente, à subjetividade humana – pois cada ser humano é único e irrepetível, não havendo, portanto, parâmetros para compará-lo com outros e assim criar uma ciência do ser humano.

São argumentos fortes e contundentes, que aparentemente desmontam todo o projeto da Psicologia científica, colocando-a no mesmo nível de rigor que a astrologia e a sabedoria popular. Isso poderia desanimar qualquer interessado em Psicologia, e com razão. Entretanto, se refletirmos com cuidado a respeito das posições teóricas acima apresentadas, perceberemos que elas não passam de opiniões. Não há nenhuma razão empírica, nenhuma experiência bruta que confirme ou refute a viabilidade de uma ciência do comportamento humano, apenas as pessoas interessadas tomam partido de uma ou de outra possibilidade. Os argumentos que aqui apresentei são argumentos racionalistas. Para esta escola, cujas origens podem ser traçadas até Platão, a verdade do mundo só pode ser compreendida através de seu conceito perfeito. Ou seja, só o que é perfeito, advindo daquele plano das idéias de que Platão falava, é verdadeiro, ao passo que o que temos aqui e agora é apenas uma cópia mal-feita, na melhor das hipóteses, ou uma grandíssima perda de tempo, na pior.

Francamente, creio que tal atitude é prejudicial. Ao adotarmos um padrão epistemológico de verdade tão rígido e inalcançável, tudo o que conseguimos, na maioria das vezes, é desestimular qualquer esforço positivo na busca pela verdade, pois, afinal de contas, é impossível atingi-la e, assim, inútil. É uma forma patológica de ver a vida, e os milhares de homens e mulheres que desistem de encarar a vida por terem certeza de que errarão em algum momento e que isto será terrível só reforçam minha opinião.

Proponho uma forma diferente de encarar a ciência e a Psicologia. Não é uma forma nova ou original, pois foi proposta há muitos e muitos anos, pelo brilhante filósofo e psicólogo estadunidense William James: o pragmatismo. Nesta forma de pensar, qualquer idéia que nos ajude a lidar com a realidade de maneira efetiva é, pelo menos em parte, verdadeira, pelo menos no que tange a parte da realidade que afeta. Mesmo que este mundo seja uma ilusão, esta ilusão nos circunda e nos afeta, e não podemos simplesmente ignorá-la e apelar para conceitos mentais perfeitos, abstratos e distantes. Trabalha-se com um processo constante de descoberta e ampliação dos horizontes, pois se baseia na experiência, e não nos ideais, para fazer ciência. Na Antiguidade, era verdade que o mundo era um disco chato, pois era desta forma que os povos de então organizavam a informação que coletavam do universo, e tornavam-se capazes de navegar e desenhar rotas terrestres de comércio; na Idade Média, era verdade que o Sol girasse em torno da Terra redonda, pois com este modelo os navegantes e comerciantes ampliaram suas capacidades de orientação; hoje, a verdade é que a Terra gira em torno do Sol, e graças a essa informação somos mais capazes que nossos antepassados. Quem, destas três distintas épocas, está mais próximo da verdade em Astronomia? Obviamente, atualmente temos maiores conhecimentos sobre o funcionamento das galáxias, mas isto não teria sido possível se não fossem os astrônomos de eras passadas formularem hipóteses imperfeitas, porém melhores e mais verdadeiras que as anteriores. Da mesma forma, daqui a 100 ou 200 anos, se a humanidade continuar existindo de alguma forma, o conhecimento de que dispomos atualmente, seja sobre Astronomia, Medicina ou Psicologia parecerá irrisório, mas terá sido de crucial importância para as descobertas futuras.

Por isso, dentro do paradigma pragmático, é possível fazer da Psicologia uma ciência plena, pois é inegável que ela tem feito progressos, lentos mas seguros, na explicação dos comportamentos humanos. São as pessoas criaturas únicas e irrepetíveis? Sim, são, mas isto não quer dizer que cada um seja uma espécie em si mesma, pois todo homem e toda mulher, por mais diferentes que sejam entre si, compartilham da mesma natureza biológica – contando com estômago, pulmões, cérebro e demais órgãos – dos mesmos traços de personalidade – extroversão, socialização, neuroticismo, abertura à experiência e Realização – e buscando as mesmas coisas – justiça, beleza, bondade, perfeição. Estes pontos em comum são iguais em todas as pessoas de todas as culturas? Não, mas pelo o que se sabe até o momento, são iguais o suficiente para a criação de instrumentos de avaliação psicológica equivalentes, seja no Japão, Alemanha ou nas culturas esquimós do Canadá. De certa forma, somos tão semelhantes entre nós quanto são os cachorros ou os gatos entre si – as diferenças são muitas vezes gritantes, mas ninguém de bom senso diria que um Pastor Alemão e um São Bernardo são incomparáveis por serem tão diferentes. Se não fosse assim, o Homo sapiens nunca teria povoado todo o globo terrestre, pois cada família ou clã que se distanciasse tornar-se-ia uma espécie diferente, e a comunicação entre diferentes povos seria tão impraticável quanto é entre humanos e chimpanzés.

Por isso, acredito que a Psicologia não só pode tornar-se uma ciência como já é uma, pois está constantemente descobrindo coisas novas a respeito de nós mesmos. Contudo, os ideais de descrição, previsão e controle dos fenômenos, tão caros para os cientistas ortodoxos, precisam ser reformulados, ou encarados de outra forma. Um psicólogo não pode, por motivos práticos ou éticos, controlar outro ser humano da mesma forma que um químico controla reações entre substâncias, nem prever o comportamento de uma pessoa como um físico prevê o movimento de um corpo em movimento, pois precisa levar muitas variáveis em conta ao mesmo tempo, podendo desconsiderar várias por não conseguir computá-las. A Psicologia nunca será uma ciência como a Física ou a Química, que em seus campos de ação reinam supremas. Entretanto, isto não significa que devemos renunciar completamente ao status científico. Poderemos descrever fenômenos psíquicos de maneira incompleta, mas ainda conseguir prever quando um paciente caminha em direção à sua autodestruição, impedi-lo de prejudicar a si mesmo e guiá-lo rumo a uma vida melhor. Uso exemplos clínicos, por ser este meu campo de atuação e onde me situo melhor, mas o mesmo pode ser dito de muitos outros casos em muitos outros contextos onde a Psicologia se insere – cresceremos, de forma imperfeita, mas constante.

Referências
James, William (1943). A Filosofia de William James. São Paulo: Companhia Editora Nacional.