sábado, 15 de março de 2008

Sobre o Naturalismo Científico

Baseado no texto que o Lobo da Estepe escreveu, farei o meu comentário sobre o Naturalismo Científico. Concordo em grande parte com o que o amiguinho disse, tirando algumas questões pontuais. Primeiramente, discordo da afirmação de que "a mente é produto do cérebro", pois está incompleta. Outros fatores também influenciaram nosso pensamento, como nosso ambiente, sociedade e cultura, nossa biologia, a evolução e talvez fatores extraterrenos que ainda desconhecemos e/ou não temos como quantificar.

E me vejo aqui na posição de defender os tais dos "bonecos de palha franceses" e suas filosofias derrotistas (que situação!). Concordo com o Lobo quando ele diz que a posição dos "destruidores de paradigmas" é derrotista, e não poderia ter dito isto de forma melhor. Mas o que me incomoda com a posição deles não é a negação da Verdade Única, pois afinal, não sabemos se ela realmente existe. O que me incomoda é como, usando este argumento de que a Verdade não existe, eles relativizam tudo, colocando todas as pesquisas, úteis e inúteis, boas e ruins, no mesmo patamar. Através dessa falácia argumentativa, eu posso justificar as pesquisas realizadas na Alemanha nazista que "comprovaram" a inferioridade dos judeus e outras etnias perante os Arianos. Para ver esta falácia sendo usada na prática, não precisamos voltar muito no tempo, no máximo até novembro do ano passado, e ver as reações de antropólogos, psicólogos, advogados e outros profissionais sobre a pesquisa ainda por ser realizada pelo Laboratório de Neurociências da PUCRS sobre Neurologia Comportamental com meninos com histórico de comportamentos agressivos. O Jeffbass colocou aqui o editorial da Folha de São Paulo sobre este assunto, e já falamos os suficiente a respeito disso aqui. Por enquanto, falemos de Naturalismo Científico.

De fato, como bem falou o Lobo, o Naturalismo Científico foi crucial para o progresso das Ciências Naturais nos últimos três séculos. Só o fato de eu estar escrevendo este texto no meu computador e colocando-o a disposição de milhares de pessoas ao mesmo tempo* através desta coisa maravilhosa (mas nem tanto) chamada internet é prova disto. As pesquisas de Química e Física tornaram isto possível. As Ciências Biológicas também avançaram a passos largos com esta metodologia, e a Medicina está aí para provar isto.

Mas e as Ciências Humanas? A Antropologia, a Sociologia e principalmente a Psicologia: qual foi o progresso destas disciplinas, se comparadas com suas irmãs mais velhas (Física, Química, Biologia)? Como estudante de Psicologia, não exito em dizer que foi nulo. Em nossa missão para melhor compreendermos o ser humano através, ainda estamos engatinhando, tanto que não foram poucos indivíduos que afirmaram que há mais Psicologia nos livros dos romances do que nos manuais da APA (American Psychological Association). Por quê é assim? Por que não aplicamos de maneira rigorosa o suficiente a metodologia naturalista em nossas pesquisas? Acredito que é justamente o contrário: para as Ciências Humanas, o Naturalismo Científico é de pouca valia. Como bem disse o Lobo, conceitos abstratos, não visíveis e não quantificáveis são deixados de lado na pesquisa naturalista. E os pensamentos**, os sentimentos e as motivações humanas caem justamente nesta classificação, pois ainda não conseguimos desenvolver nenhum instrumento que quantifique satisfatoriamente estes construtos. E mesmo que um dia consigamos fazer isto, eles serão de pouco uso se utilizados isoladamente (pretendo escrever sobre isso futuramente).


Não estou dizendo que o Naturalismo Científico seja inútil para a pesquisa em Ciências Humanas, apenas que seu uso é limitado. Veja por exemplo as Neurociências: de certa forma, técnicas como o MRI (Magnetic Resonance Imaging) e o EEG (Eletroencéfalograma) tornaram possível ver a mente em atividade ("é uma foto da mente!"). 50 anos atrás isto seria impensável, mas graças à tenacidade e criatividade de muitos cientistas, que seguiram os princípios do Naturalismo, isto tornou-se não só possível como muito comum. Entretanto, se fossem utilizados apenas os equipamentos para a pesquisa neurocientífica, teríamos apenas um amontoado de dados e figurinhas bonitas e brilhantes do cérebro em atividade. O finado Franscisco Varela, biólogo, filósofo e neurocientista da mais fina cepa identificou esse problema, e resolveu-o. Segundo ele a pesquisa em neurociências divide-se em três pessoas: a terceira pessoa são os equipamentos e seus resultados, a segunda pessoa é o pesquisador analisando os dados coletados e a primeira pessoa é o relato da pessoa sendo examinada. Varela chamou a técnica de terceira pessoa de "Neurofenomenologia". Sem estas três pessoas envolvidas ativamente na pesquisa, não teríamos progredido quase nada: sem o equipamento não há meio de avaliar o funcionamento cerebral; sem o pesquisador não há quem seja capaz de interpretar os dados; e sem o sujeito da pesquisa não há como dar significado aos dados. É o sujeito quem irá dizer o que e como ele está pensando e sentindo. Sem esta informação, as figurinhas bonitas são insignificantes (sem significado). Por isso que em suas pesquisas Varela tentou investigar o funcionamento cerebral de mestres em meditação, que tem maior prática em descrever seus estados internos.



Como Amolador de Facas que sou, acredito que o Naturalismo Científico foi e ainda é essencial para o progresso científico e da humanidade como um todo, e abomino relativismos extremados e irracionais. Entretanto, também abomino absolutismos, e sei que, um dia, o próprio Naturalismo Científico irá dar lugar para outros pressupostos, mais abrangentes e eficazes. Talvez isto já esteja acontecendo em alguns campos de pesquisa nas Ciências Humanas.




* Não que milhares de pessoas ao mesmo tempo irão lê-lo, mas a possibilidade existe.

** Antes que alguém venha me dizer que pensamentos não existem e citar Skinner, já digo: vai ler de novo. A posição de que os pensamentos são uma ilusão vem do Behaviorismo Metafísico, proposto por John B. Watson, que afirmava que eles eram apenas movimentos imperceptíveis da traquéia. A posição de Skinner é muito mais sofisticada. Segundo ele, os comportamentos internos (termo que ele dava para "atividade mental" e similares) existem, pois qualquer um pode observar os seus próprios pensamentos. O que ele questionava era a relevância desta introspecção para a Psicologia e a influência destes nos comportamentos externos das pessoas (posição que garantirá muitas discussões futuras).