domingo, 18 de maio de 2008

Reforma Psiquiátrica - Uma Visão

"Quem não se comunica, se trumbica!"

De quinta-feira pela manhã até sábado à tarde eu estive envolvido com a 4ª edição do Mental Tchê, o maior congresso do estado sobre Reforma Psiquiátrica, que ocorre todos os anos em São Lourenço do Sul.

A temática deste ano girava em torno da mídia e de como ela é extremamente enviesada no que diz respeito à veiculação de informações sobre a reforma psiquiátrica. De modo geral, não existe divulgação da grande imprensa sobre este evento, por exemplo, apesar de reunir mais de duas mil pessoas da área. Além disso, a reforma psiquiátrica e os serviços substitutivos do SUS costumam ser negligenciados pelas manchetes, aparecendo somente os furos do sistema.

A proposta do evento incluía fazer uso de redes alternativas de comunicação para espalhar a boa palavra da luta anti-manicomial. E eu, como blogueiro e mentaleiro, farei minha parte!

São Lourenço do Sul é uma das cidades pioneiras e mais engajadas no Brasil no que diz respeito aos serviços substitutivos dos antigos manicômios. Estes últimos foram durante muito tempo o único recurso utilizado para as pessoas portadoras de sofrimento psíquico grave (nosso novo jargão para substituir a palavra louco). A Reforma Psiquiátrica, no entanto, propõe o fechamento destes hospitais psiquiátricos e sua substituição por uma rede de serviços alternativos. São Lourenço, apesar de ter apenas 45 mil habitantes, possui três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e alguns leitos no hospital geral para a sua população. É uma proporção bastante elevada. Os CAPS são casas onde pessoas em crise podem passar o dia, engajando-se em atividades terapêuticas e recebendo atenção, contudo sem serem privados de sua liberdade e de um tratamento humano. Os hospitais gerais são a resposta da Reforma para aqueles casos em que a internação é absolutamente necessária. Um hospital geral é muito menos estigmatizante, excludente e opressivo que um manicômio.

Inspirada nas idéias e ações do psiquiatra italiano Franco Basaglia, esta luta anti-manicomial já está acontecendo aqui no Brasil há alguns anos, tendo em 2001 recebido diretrizes federais para a reformulação do modelo de atenção à saúde mental. Com isso criaram-se os CAPS e outros vários projetos visando a extinção gradativa dos manicômios e um tratamento mais humano aos ditos "loucos", além de uma concomitante intervenção cultural visando a ressignificação da loucura na nossa sociedade. Tirar os loucos de dentro dos hospícios e trazê-los de volta para as ruas implica mudar a primitiva e alienada concepção que o senso-comum tem dos loucos, vistos quase que invariavelmente como imprevisíveis, descontrolados e potencialmente violentos. A realidade da loucura não é bem assim, mas sobre este assunto poderei falar melhor em outra ocasião.

O grande problema é que o movimento anti-manicomial encontra muitas resistências, incluindo falta de financiamento estatal, além de uma desconfiança e má vontade dos setores mais conservadores da sociedade e uma oposição de alguns segmentos da classe psiquiatra. Deste modo, os resultados da ainda jovem batalha em prol da Reforma Psiquiátrica são mostrados com muita parcialidade, enquanto os investimentos necessários para levar adiante os projetos não estão sendo efetivamente cumpridos, o que compromete também o andamento do processo. Algumas vezes a Reforma Psiquiátrica é retratada como um movimento na direção errada, que causará mais mal do que bem para os pacientes e para a sociedade. Isso é um equívoco. Os seus méritos são inúmeros. Eventos como o Mental Tchê permitem que isso tenha uma visibilidade gritante. Eu poderia falar muito mais sobre o valor desta causa, mas no momento o tempo não me permite. Basta dizer que é uma das poucas coisas na psicologia que eu realmente acho que valem a pena.