sábado, 2 de fevereiro de 2008

A Pesquisa Maldita - A Série

Pesquisadores de duas grandes universidades de Porto Alegre propuseram uma pesquisa com meninos infratores internos na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul (FASE-RS), sobre comportamento violento e neurologia. Seria uma pesquisa como outra qualquer, se não fosse a grata infelicidade de um dos participantes do projeto ser secretário estadual de saúde, e de terem dado uma entrevista para um jornal. Se não fosse por essa conjuntura, provavelmente só ficariamos sabendo desta pesquisa quando o artigo final fosse publicado.

Como provavelmente vocês já sabem do que eu estou falando serei breve: a pesquisa, nem ao menos iniciada, foi alvo de muitas críticas, vindas de psicólogos sociais, antropólogos, educadores e outros profissionais, que a acusaram de dar novo rosto para práticas antigas de extermínio e eugenia.

Coletei na internet todo tipo de texto, favorável, contrário e neutro à pesquisa, vídeos e documentos para fazer uma cronologia dessa farra toda. Poderia ter apenas feito uma síntese dos argumentos mais usados e/ou fortes de cada lado da discussão, mas imaginei que os leitores deste blog prefeririam ir até a fonte das informações, então, coloquei aqui todos os textos que encontrei na íntegra, e com o link para o site onde encontrei.

Aproveitem o catatau de textos sobre o assunto.

A Pesquisa Maldita - A Opinião de David Coimbra

Pesquisa e Preconceito
01/02/2008

Já estive em vários presídios. Porém como visitante. Repórteres de polícia volta e meia têm de ir a presídios, e muito já militei em editorias de polícia, e muito apreço tenho por histórias policiais.

No de Criciúma havia uma saleta pouco maior do que um banheiro de empregada que o administrador do presídio chamava, o orgulho içando-lhe o queixo, de biblioteca. De fato, no lugar empilhavam-se revistas e livros, e mais: faziam retumbante sucesso. Os presos os requisitavam duas ou três vezes ao dia! Fiquei encantado com o interesse dos detentos pela literatura. Seriam os criminosos do sul catarinense os mais intelectualizados do Brasil? Depois de breve diligência, descobri que não. Ocorria que o fornecimento de papel higiênico aos presos era escasso, e eles equacionavam o problema arrancando as páginas centrais dos livros a fim de empregá-las na limpeza pessoal, objetivo menos nobre do que a leitura, mas mais premente.

Conheci presídios gaúchos, também. E não poucas vezes fui a unidades da Fase para dar palestras aos internos. Nesses casos, o que mais chamou minha atenção foram os depoimentos dos meninos infratores sobre suas relações pessoais. Quase 100% deles possuem um só vínculo emocional, um único liame que os mantém em contato afetivo com outros seres humanos: a mãe. É pela mãe que eles querem mudar de vida, salvar-se, sair da Fase e integrar-se à comunidade.

Despedia-me desses locais, dos presídios, das unidades da Fase, pensando que pouco se sabe dessa gente e no quanto seria útil saber mais. A sociedade, informada das necessidades básicas dos presidiários, como essa tão básica de papel higiênico, talvez se movimentasse para supri-las. E as mães dos meninos da Fase, será que elas não poderiam ser utilizadas com mais inteligência na regeneração dos próprios filhos?

Falta-nos pesquisa, foi o que sempre pensei. Falta-nos informação.Agora, cientistas gaúchos anunciaram a realização de uma pesquisa a respeito da violência justamente dentro das unidades da Fase. O que parece bastante lógico - lá estão adolescentes infratores, afinal. Seria proveitoso identificar suas motivações, traçar seu perfil, saber do que precisam, o que os fez se apartar da sociedade. Conhecê-los, enfim. Para ajudá-los.No entanto, um grupo politicamente correto tenta impedir a pesquisa, tachando-a de "prática de extermínio e exclusão".O que concluir desses protestos? Que os cientistas interessados na pesquisa são asseclas do Doutor Mengele, nazistas sanguinários preparando o próximo Reich? Ou que os protestantes são obscurantistas, herdeiros do Santo Ofício, inimigos do Saber? Nem uma coisa, nem outra. Os primeiros são profissionais das mais bem conceituadas universidades do Estado, cientistas sérios, eivados de boas intenções. Os segundos são professores, advogados, psicólogos, gente de alguma ilustração, enfim.

Onde está o problema, então? Na vaidade. Tudo é vaidade debaixo do sol, ensina o Eclesiastes. Só que, na Academia, a vaidade é mais corrosiva do que qualquer modalidade com a qual se poderia esbarrar há 29 séculos, quando o Eclesiastes foi escrito. O grupo que se manifesta contra a pesquisa sabe que ela não é nociva. Mais: sabe que a pesquisa só pode acrescentar conhecimento, e o conhecimento não ceva o preconceito; ao contrário, o enfraquece. Trata-se de mera discussão acadêmica. Pequenas tolices de grupos rivais. Vaidade intelectual, acredite, perplexo leitor. Mas acredite, também, nas palavras daquele antigo escritor, Celine, que dizia em francês, e assim fica muito mais bonito: "Não existe vaidade inteligente".

Fonte: FASE, Zero Hora.

A Pesquisa Maldita - Helio Schwartsman Strikes Again

Ciência sob ataque
31/01/2008

Se eu fosse exagerado, diria que a ciência brasileira está sob ataque. Como não sou, parece mais adequado afirmar que ela vem enfrentando percalços imprevistos. Há duas semanas a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, participou de um evento criacionista e, em seguida, defendeu o ensino de teorias "alternativas" ao darwinismo. Poucos dias depois, reportagem da Folha (só para assinantes) mostrava que cerca de uma centena psicólogos, advogados, antropólogos e educadores procurava, através de um abaixo-assinado, impedir um grupo de neurocientistas de levar a cabo pesquisa que pretende esquadrinhar o cérebro de 50 adolescentes homicidas de Porto Alegre em busca de marcadores biológicos.

Investidas anticientíficas não são propriamente uma novidade, que o digam Giordano Bruno e Galileu Galilei. Mesmo em tempos de maior liberdade intelectual, como a Grécia Antiga, experimentadores do quilate de Eratóstenes e Arquimedes enfrentavam um certo desdém de filósofos puramente especulativos, então mais afinados com o "Zeitgeist". O inquietante no caso brasileiro é que os ataques partam, senão de aliados, ao menos de grupos e instituições que deveriam em tese apoiar a ciência. Afinal, Marina Silva, na condição de ministra, representa o Estado brasileiro. Já psicólogos, antropólogos e pedagogos, embora não costumem militar nas fileiras da "hard science", são --ou deveriam ser-- aquilo que antigamente chamávamos de "Geistwissenschaftler", ou seja, simplificando um pouco, cientistas sociais, os quais deveriam, pelo menos etimologicamente, estar comprometidos com o método científico.

Comecemos pelo caso mais gritante, que é o dos patrulheiros epistemológicos. De minha parte, considero a neurociência um campo fértil e promissor, do qual tem emergido muito material interessante para "insights" e reflexões. Admito, entretanto, que nem todo mundo precisa pensar como eu. É perfeitamente possível tachar sociobiologia, psicologia evolutiva e genética como "reducionistas" --o que quer que isso signifique. Mais até, é legítimo preocupar-se com o efeito que determinadas descobertas possam ter sobre a sociedade. Imagine-se, por hipótese, que se desenvolva um método de diagnosticar, ainda antes do nascimento, indivíduos mais propensos a tornar-se criminosos quando adultos. Tais embriões poderiam ser abortados? Se sim, por decisão de quem? Do Estado? Dos pais? São questões apaixonantemente controversas. E, por mais intransigentes que possamos ser na defesa da vida e da pluralidade humanas, nada justifica deixar de realizar um estudo cujos protocolos éticos se mostrem adequados, como é o caso do experimento gaúcho. Ele não implica nenhum risco ponderável para as "cobaias" e só ocorrerá se os pesquisadores obtiverem o consentimento esclarecido dos jovens e de seus pais ou responsáveis e também a autorização da Justiça.

Não é porque os nazistas cometeram atrocidades evocando a genética --equivocadamente, ressalte-se-- que devemos renunciar a compreendê-la. Se um dia investigações nesse campo levarem a tecnologias eugênicas, precisaremos discutir caso a caso a moralidade de sua aplicação. De minha parte, como princípio geral, acho que pais devem poder escolher se vão ou não ter filhos com determinadas doenças incapacitantes.

Qualquer que seja nossa posição pessoal, quer acreditemos que a vida é um dom de Deus, quer a consideremos o encontro inopinado de átomos de carbono com um pouco hidrogênio e oxigênio, não faz muito sentido que um cientista social --ou qualquer outra pessoa minimamente ilustrada-- se oponha à realização de um experimento capaz de ampliar nosso conhecimento por temor das implicações que tal conhecimento possa ter. Se os nossos solertes "Geistwissenschaftler" estão tão certos de que a empreitada dos neurocientistas dará com os burros n'água --possibilidade bastante real-- que critiquem, como convém ao método científico, os resultados do experimento, não sua realização. Se estão tão certos de que a neurociência encerra o ovo da serpente, que o demonstrem com base em evidências e encadeamentos lógicos, não com ilações e palavras de ordem. Minha sensação é a de que essa gente, ao defender a proibição pura e simples, repete os argumentos com os quais a Igreja Católica impedia a dissecação de cadáveres e promovia outros vetos francamente obscurantistas.

Voltemos agora ao mais delicado caso do criacionismo ministerial. Marina Silva tem, como cidadã, o direito de professar a fé que bem desejar. Mais até, não é porque se tornou ministra de um Estado nominalmente laico que precisaria deixar de comparecer aos cultos de sua igreja, a Assembléia de Deus. Ela, entretanto, avançou o sinal quando participou do 3º Simpósio sobre Criacionismo e Mídia, promovido pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo, e, à saída, ainda deu uma entrevista na qual, no melhor estilo dos "neocons" dos EUA, sustentou que visões de mundo criacionistas devem ser ensinadas nas escolas, para que os alunos possam decidir por si mesmos.

Estamos aqui diante de dois problemas. Em primeiro lugar, Marina deveria ter-se recusado a participar do evento, pela simples razão de que não foi convidada para falar na condição de simples fiel da Assembléia, ou teóloga, mas sim por ser ministra do Meio Ambiente, ou seja, uma representante do Estado. E, nos termos do artigo 19 da Constituição, é vedado ao Estado "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança". Essa, entretanto, é a falta menos grave, que seria facilmente perdoável, se a ministra não tivesse em suas declarações abraçado também a pedagogia ultraconservadora, que pretende transformar fatos comprováveis em comprovados em questões abertas a escrutínio religioso.

Não conheço as opiniões hidrostáticas do papa, mas não importa o que ele pense ou decrete acerca da fervura da água, o fato é e será que, em condições normais de temperatura e pressão, ela ferve a 100ºC. De modo análogo, independentemente do discurso religioso, as bases gerais da teoria evolutiva mais ou menos como postulada por Charles Darwin no século 19 estão cabalmente comprovadas. Falácias criacionistas não vão mudar isso. O rol de evidências pró-Darwin é extenso. Vai da totalidade do registro fóssil até aqui coletado --e nunca falseado por nenhum despojo geologicamente impossível_ até a capacidade de fazer previsões sobre o futuro, como o surgimento de cepas de bactérias resistentes a novas classes de antibióticos.

O criacionismo em sua mais nova roupagem --o tal do design inteligente-- sustenta que a evolução é "apenas" uma teoria e cheia de supostas dificuldades, como se tudo em ciência não fosse "apenas uma teoria", aí incluída a teoria da gravidade. Seu argumento básico é o de que seres vivos são complexos demais para ter surgido "por acaso": se eu encontro um relógio, a sutileza e a precisão das roldanas e engrenagens, me autoriza a supor um relojoeiro; de modo análogo a arquitetura de estruturas como asas e olhos permitiria inferir um Criador.

"Non sequitur", que, em bom português, significa: é pura bobagem, coisa de quem não entendeu (ou fingiu que não entendeu) o bê-á-bá do darwinismo. Embora mutações nos seres vivos de fato ocorram aleatoriamente, a seleção subseqüente --que conserva o que é útil e despreza o que não o é-- nada tem a ver com acaso. Ela é, se quisermos, o avesso do acaso. Trata-se, na verdade, de um dos poucos processos naturais que conseguem simular o trabalho de projetistas. Só que funciona ao contrário. Ao preservar traços mesmo que milimétricos de utilidade e descartar todas as mutações que não servem para nada (a maioria delas resulta em cânceres, é oportuno lembrar), a seleção consegue, ao longo de inúmeras gerações, produzir estruturas que passam por entidades concebidas por uma inteligência.

O que o criacionismo faz é, apoiando-se nessa ilusão, impingir raciocínios capengas que soarão convincentes a alunos com pouco treinamento epistemológico e já socialmente orientados a "aceitar a palavra de Deus". Admitir que padres e pastores profiram tais sandices em epistemológicas em seus templos é uma necessidade democrática. Mas não faz nenhum sentido repeti-las nas salas de aula de um Estado laico. Fatos sobre o mundo não são matéria que se decida com base em convicções pessoais ou maiorias.

E, infelizmente, os neocriacionistas não se contentam em acreditar em Deus. Querem, sabe-se lá por qual motivo, revestir seu delírio de vestes científicas. Só que estas não lhe cabem.

O grande erro da comunidade científica norte-americana foi ter esperado tempo demais antes de reagir às investidas criacionistas, deixando que o discurso pseudocientífico e aparentemente democrático prosperasse e ganhasse terreno. Infelizmente, nós, no Brasil, estamos repetindo esse equívoco. Vale lembrar que o pio casal Garotinho já introduziu o ensino do criacionismo nas escolas da rede pública do Rio de Janeiro. Consertar as coisas agora será um deus-nos-acuda.

Não deixa de ser irônico que os mesmos sociólogos, advogados e psicólogos que até há pouco se erigiam em defensores máximos das liberdades agora propugnem pela censura a pesquisas, e os mesmos religiosos criacionistas que poucos séculos atrás queimavam livros e pessoas agora recorram à liberdade de pensamento para apregoar tolices na escola pública. Não acredito em deuses, mas, é forçoso reconhecer que eles têm um senso de humor infernal.

Fonte: Folha de São Paulo.

A Pesquisa Maldita - A Opinião de Moacyr Scliar

A ciência em debate
Moacyr Scliar - 29/01/2008

Biopsicossocial é uma expressão muito usada. E significativa. Para começar, observem a ordem dos três componentes. Primeiro vem o biológico, que é a coisa mais básica, aquilo que partilhamos com um réptil ou um inseto: os órgãos, as funções corporais. Depois vem o psíquico, que é a introdução à nossa humanidade: o pensamento, as crenças, os sentimentos. E por último o social, que coroa a nossa evolução histórica e cultural. Entre o biológico e o social está o psíquico. Freqüentemente numa posição desconfortável, como já veremos.

Na semana passada um debate surgido em Porto Alegre propagou-se pelo país. Trata-se da proposta de uma pesquisa científica, que começará com jovens delinqüentes e que tem por objetivo investigar as raízes da criminalidade. A investigação inclui mapeamento cerebral, uma técnica atualmente muito utilizada e que, aparentemente desencadeou a polêmica. Resumindo: o estudo foi criticado porque privilegiaria os aspectos biológicos, enveredando assim por um caminho que, no passado, levou ao racismo e à eugenia, ou seja à seleção (às vezes pelo simples assassinato) de indivíduos mais sadios. Teorias mais recentes, como a sociobiologia, popularizada nos anos setenta pelo pesquisador americano Edward O. Wilson, também tentam explicar o comportamento humano e social com base na evolução biológica e na genética. Estas idéias foram contestadas por Richard Lewontin e Stephen Jay Gould. Surgiu daí a idéia de que os defensores do biológico são de "direita" (com muitas aspas), enquanto que aqueles que valorizam o social são de "esquerda" (idem). Mas nem sempre foi assim. Tomem o caso de Darwin, por exemplo, em quem Wilson se baseou. O cientista inglês era considerado um radical contestador, inclusive e principalmente porque contrariava a doutrina do criacionismo. Mais tarde, a tese da sobrevivência do mais apto passou a ser utilizada por ideólogos neoliberais. Resultado: darwinismo social é uma expressão execrada pela esquerda.

No caso dos estudos do cérebro, a polêmica é outra. De um lado a idéia segundo a qual é no cérebro (na química cerebral) que devemos procurar a origem de problemas mentais e emocionais, tratando-os com medicamentos, se for o caso - uma idéia que tem o poderoso apoio do seguro-saúde norte-americano e da indústria farmacêutica. De outro, estão aqueles que defendem a psicoterapia como um tipo de relação humana capaz de ajudar as pessoas. De novo, é o psicológico entre o biológico e o social.

Agora: notem que estas coisas não são excludentes. Uma discussão mais serena, mais desapaixonada, pode mostrar os limites do biológico, do psicológico e do social. O importante é avaliar os fatos, não as conotações. No caso da pesquisa científica, e exatamente por causa das barbaridades cometidas pela ciência nazista, temos hoje os comitês de ética, cuja atividade é importante e não raro decisiva. Mas o debate que o assunto suscitou foi e é útil. Da discussão sempre nasce a luz; ruim é o apagão da intolerância. Como disse Darwin numa carta a seu admirador Karl Marx: "I believe that we both earnestly desire the extension of knowledge", "Acredito que nós dois honestamente desejamos a ampliação do conhecimento."

Fonte: Notícias do CRP-RS.

A Pesquisa Maldita - A Opinião de uma Antropóloga Social e uma Educadora

No dia 5 de janeiro, submetemos à apreciação da Folha de S.Paulo o artigo que se segue, a respeito de discussões inspiradas na reportagem de Rafael Garcia sobre uma pesquisa no Rio Grande do Sul com "adolescentes homicidas". Dois dias depois recebemos uma manifestação de interesse de Rafael Garcia, repórter do setor "Ciência", dizendo que "não tinha idéia de que o assunto tivesse repercutido tanto, já que esta é a primeira carta que nós recebemos aqui na editoria de ciência sobre essa reportagem". No dia 10, fomos convidadas a submeter uma versão abreviada de nosso texto (3.800 toques) para ser publicada no Caderno Mais do próximo domingo, junto com outros artigos sobre o tema. Aceitamos fazer a redução solicitada. Sábado, dia 19, o repórter entrou em contato para dizer que o artigo sairia só na segunda-feira, e – devido a um anúncio que tinha entrado na página – devíamos cortar imediatamente mais 10 linhas. Não querendo agir de forma leviana, e considerando que uma das autoras estava em viagem, informamos que não seria possível efetuar os cortes nesse curto prazo.

Foi com grande interesse que acompanhamos a publicação das matérias na segunda, dia 21 de janeiro. Contudo, estranhamos o editorial de 22/1 em que a FSP ataca um grupo de pesquisadores e ativistas que se assustaram com os termos da pesquisa tal como foi retratada pela Folha. Sem fazer referência ao artigo original que fala em mapear o cérebro de "adolescentes homicidas" para descobrir "como se produz uma mente criminosa", o editorial descreveu a pesquisa já em termos mais sofisticados. Falou em "jovens sob custódia do Estado que cometeram homicídios"; entrou Descartes, saiu "a mente criminosa". Com isso, os editores eximiram-se de qualquer responsabilidade pelo tom acalorado do "repúdio". Em vez de mediar um debate necessário, a Folha optou por acirrar a celeuma criticando um bate-boca que ela mesma criou.

Acompanhando o andamento da ciência, para além do consentimento informado

Claudia Fonseca - Doutora em Antropologia, Professora do PPGAS/UFRGS
Carmem Maria Craidy - Doutora em Educação, Professora do PPG-EDU/UFRGS
28/01/2008

Saiu no dia 26 de novembro uma matéria na Folha de São Paulo sobre uma pesquisa envolvendo cientistas universitários e representantes da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul que se propõem a mapear os cérebros de 50 adolescentes homicidas (a serem comparados com os cérebros de 50 adolescentes não-infratores) e, assim, descobrir como se produz uma mente criminosa. Desde então, circula na Internet, na grande imprensa e em outros fóruns públicos uma discussão acalorada, a favor e contra a proposta. Defensores do projeto, sublinhando as respeitáveis credenciais de seus autores, expressam o receio de que ataques precipitados acabem por cercear a autonomia da ciência. Críticos sugerem que o princípio de autonomia jamais exime o pesquisador da responsabilidade de avaliar as implicações morais e éticas de seus procedimentos. Devemos lembrar que a maioria de nós não conhece a proposta original. Mas é justamente por causa das idéias que estão sendo veiculadas pela mídia que cabe certo trabalho de esclarecimento.

Uma pesquisa sobre adolescentes homicidas levanta inquietações de diversas ordens. Em primeiro lugar, o foco em infratores institucionalizados arrisca reforçar preconceitos que supõem uma relação intrínseca entre cor, classe e comportamento anti-social. Sabemos, por exemplo, que no Rio e em outras metrópoles a polícia é responsável por boa parte das mortes violentas. Porém, a maioria de nós acharia absurdo fazer ressonância magnética para checar tendências violentas nos cérebros desses profissionais. Além disso, é pouco provável que eles ou seus superiores institucionais aceitassem participar de tal pesquisa. Saberiam que a simples notícia dessa investigação com sua premissa de uma tendência fisio-biológica à violência bastaria para reforçar preconceitos contra a polícia.

Por que aceitar essa pesquisa tão facilmente entre adolescentes privados de liberdade? Porque nos abrigos, como nas cadeias, concentram-se as pessoas que menos têm voz, não por causa de alguma tendência inata, mas porque quanto mais pobre e escuro for o acusado de qualquer crime, maiores serão suas chances de ser detido, condenado e encarcerado. O próprio funcionamento do sistema cria dentro das instituições uma amostra questionável mais representativa de pobres e discriminados do que de qualquer inclinação criminosa. Daí a segunda inquietação: esses indivíduos estão em condições de negociar os termos de sua participação numa pesquisa acadêmica?

Depois da Segunda Guerra Mundial e da constatação de atrocidades perpetradas por cientistas do regime nazista, a comunidade científica mundial se viu incumbida -- em Genebra, Nuremberg, Helsinque -- de estabelecer as bases éticas de sua prática. No alto na lista de prioridades constava o princípio de que nenhum sujeito humano deveria ser incluído numa investigação sem ter compreendido e assentido, livre de qualquer coerção, aos riscos e objetivos da pesquisa. Num primeiro momento, reinava uma crença ingênua de que regimes autoritários tinham o monopólio da má ciência. O espírito crítico, a transparência e a neutralidade, vistos como atributos típicos das democracias ocidentais, seriam os ingredientes necessários e suficientes para o bom desenvolvimento científico. Foi um médico da Universidade de Harvard, Henry Beecher, o primeiro a levantar suspeitas quanto à ética de pesquisa no seio da democracia. Em 1966, ele publicou um levantamento de 22 projetos desenvolvidos por cientistas qualificados e bem-intencionados em que os seres humanos examinados tinham sido, de alguma forma, prejudicados pela pesquisa. Uma das críticas mais alarmantes era que os sujeitos pesquisados faziam parte de populações que não tinham condições de recusar participação: recrutas militares, portadores de deficiência mental, idosos... Seguindo nessa linha de reflexão, a investigação científica envolvendo adultos ou adolescentes privados de liberdade seria ainda mais preocupante. Pergunta-se: esses indivíduos estão em condições de negociar os termos de sua participação numa pesquisa acadêmica? Trata-se de uma questão ética que vai muito além da assinatura em um formulário de consentimento informado.

Certamente, é do interesse de adolescentes privados de liberdade receber todos os benefícios de tratamento e terapia que o aparelho estatal tenha a oferecer. O problema não é aplicar testes para realizar programas voltados para o bem-estar dos indivíduos em questão. O perigo surge quando projetamos generalizações a partir de casos individuais, usando estereótipos que envolvem aspectos de cor e de classe para formular as hipóteses e orientar as interpretações.

Se, por ventura, fosse constatada uma desproporção de jovens com problemas neurológicos no grupo de adolescentes homicidas, caberia então localizar, como grupo de controle, adolescentes não-infratores com problemas semelhantes. Investigar os fatores que levaram ao relativo sucesso destes últimos apontaria para as condições sociais (terapêuticas e outras) relevantes para a realização individual e o entrosamento na vida social. Sem esse cuidado metodológico, o problema da pesquisa se transforma em tautologia, garantindo de antemão conclusões que ligam patologia médica com comportamento anti-social.

Há no Brasil inúmeros centros de estudos interdisciplinares que reúnem pesquisadores para tentar entender o fenômeno da violência. Já demonstraram, com farta ilustração empírica, o impacto de fatores tais como qualidade de educação, possibilidades de renda, atividades de lazer e cultura, acesso ao consumo e busca de visibilidade social. Sem dúvida, concordariam que a violência é um problema de saúde pública, mas insistiriam que a saúde envolve muito mais do que eventuais problemas cerebrais. Preocupados com as conseqüências políticas e éticas da pesquisa, eles evitariam termos reducionistas (adolescente homicida, mente criminosa) que arriscam reforçar o estigma contra as pessoas pesquisadas.

Enfim, o saber científico não se constrói em termos maniqueístas. Pesquisadores de todas as áreas lidam com dilemas éticos que não são de fácil solução. A presente polêmica, ao relevar as inevitáveis facetas políticas e morais de qualquer pesquisa, tem o efeito salutar de ampliar o círculo de interlocutores, alertando inclusive os leigos para a necessidade de acompanhar de mais perto o andamento da ciência.

A Pesquisa Maldita - Reportagem no Fantástico

Como uma pessoa inteligente pode perceber, se um assunto vira reportagem do Fantástico, é porque está chamando a atenção no Brasil inteiro. E foi o que aconteceu com a polêmica dessa pesquisa neurológica com os meninos da FASE, na edição de 27 de janeiro de 2008 do Fantástico. Não que a reportagem em si seja boa, bem pelo contrário: é uma porcaria extremamente superficial. Mas como saiu no Fantástico, tá na boca do povo, e provavelmente influenciou a opinião de muita gente por aí. Repasso uma transcrição da reportagem, que encontrei no site do CRP-RS, e o vídeo da reportagem. Só recomendo o vídeo para quem era no ensino médio o pirralho que só olhava as figuras dos livros.

Pesquisa polêmica é abordada no Fantástico
* Vinicius Donola, repórter

O que se passa na cabeça de um ser humano que é capaz de tirar a vida do outro? Será que os atos de extrema violência e barbárie são cometidos por mentes que nascem doentias? Ou não? São as mentes que adoecem com os traumas da vida, com a violência em casa, na rua.

"Esse cérebro desse delinqüente, ele sofreu, ele mudou, ele é diferente? Vamos investigar", diz Mirna Portuguez, neuropsicóloga da PUCRS.

Essa é a proposta dos cientistas de duas grandes universidades do Rio Grande do Sul. Usar exames de alta tecnologia para mapear o cérebro de um grupo de jovens. Todos envolvidos em ações violentas."O objetivo é conhecer um pouco melhor como a estrutura cerebral pode, eventualmente, estar envolvida nesses processos que geram violência", explica Jaderson Costa, pesquisador também da PUCRS.

Mas a reação da comunidade científica foi imediata."Estamos tratando de pessoas. Adolescentes. Não são ratos, não são macacos. São pessoas”, acusa Ana Luiza de Souza Castro, psicóloga, do juizado de menores do Rio Grande do Sul. Sociólogos, educadores, advogados também assinaram um manifesto. Afirmam que a pesquisa mascara o que chamam de "velhas práticas de extermínio e exclusão". Os idealizadores do estudo se defendem."É lamentável, porque nós não estamos fazendo nada além do que ampliar a informação sobre o assunto. A quem interessa proibir isso?", Osmar Terra, secretário de Saúde do Rio Grande do Sul.

Esta semana, o Fantástico conheceu o lugar onde vivem os jovens que podem ser alvo da pesquisa. A antiga Febem, na capital gaúcha, onde há 680 internos. Menores que foram detidos por roubo, tráfico e homicídio.

Os pesquisadores de Porto Alegre querem examinar 50 jovens, entre 15 e 21 anos, numa máquina que faz a ressonância magnética funcional. Ela mostra o cérebro em funcionamento. Com este exame, o grupo de cientistas espera descobrir o que há de diferente no cérebro de um jovem homicida.

Dentro da máquina, os jovens serão submetidos a seqüências de imagens e sons violentos. Usando a ressonância, os neurocientistas esperam comprovar uma suspeita. A de que os homicidas têm partes do cérebro atrofiadas, reduzidas de tamanho. A mais importante delas é o lobo-frontal. É ele que controla os nossos impulsos.Na teoria, uma pessoa com atrofia do lobo-frontal tem mais dificuldade para conter seus instintos. Um traço que seria típico do comportamento assassino.

Aí, vem a crítica:"Bom, se for identificado no cérebro do sujeito que ele tem lá uma tendência para um comportamento violento, como que nós vamos controlar isso? Nós vamos medicar essa pessoa? Nós vamos colocar ele dentro de algum lugar?", questiona Karen Eidelwein, do Conselho de Psicologia do Rio Grande do Sul.

Nós vamos usar essa informação para procurar alternativas de prevenção e até curativas, se possível, tratar esses indivíduos. Repor essas necessidades que eles têm no momento", diz Mirna Portuguez, neuropsicóloga da PUCRS.

Um outro passo da pesquisa também está gerando polêmica. Especialistas em genética querem colher amostras de sangue dos jovens que mataram, para exames de DNA. A pergunta é: será que alguns de nós nasceram predispostos para a violência?

"Pessoas violentas, talvez, um bom número delas, apresentam variações nos genes que as tornaram frágeis. Elas sofrem mais, e, como resposta ao sofrimento, acabam desenvolvendo comportamentos mais violentos em função do que sofreram", é o que diz o geneticista da UFRGS, Renato Flores. "A história sabe como tem acabado esse tipo de ciência. De alguma forma, me lembra os tipos criminosos de Cesare Lombroso", diz Ana Luiza.

Lombroso foi um médico italiano que viveu no século 19. Ele acreditava que determinadas medidas do corpo, como o tamanho da mandíbula e os contornos do crânio indicavam se uma pessoa nascia com propenção para a delinqüência. Mais tarde, os nazistas se apropriaram da obra de Lombroso e mandaram milhares de pessoas para campos de concentração, com base nas medições cranianas."Não podemos utilizar alguns argumentos do passado sobre erros cometidos, ou de interpretação, ou de atuação, de terapêutica, etc. Misturar isso com essa pesquisa", rebate Jaderson.

A pesquisa só pode começar depois de a proposta ser analisada por uma comissão científica de professores universitários e por um comitê de ética.O Juizado de Menores ainda não informou se vai ou não permitir o estudo com os jovens da antiga Febem. Só serão examinados voluntários, com autorização dos pais."Acho que tem implicações éticas que merecem uma discussão, que é o que está acontecendo", finaliza Ana Luiza.

Vídeo --> AQUI.

A Pesquisa Maldita - Outro Debate: Zero Hora

Pesquisa com adolescentes gera debate

Confira dois artigos que debatem o projeto de pesquisa com adolescentes da Fase, publicados no jornal Zero Hora, edição de 26 de janeiro de 2008.

Miséria social, pseudociência e arrivismo, por Luis Guilherme Streb*
*Psiquiatra

Trabalhei quase três anos na Fase. Diariamente atendia 10 a 15 internos. Conheci centenas de jovens, cada um com várias consultas. Felizmente havia pouquíssimos homicidas. No início, eu mesmo me intimidava um pouco, mas controlei meus sentimentos e conseguia conversar com eles. Seus crimes aconteceram nas mais variadas circunstâncias, sempre relacionadas com tráfico e uso de drogas, vingança, roubo ou alguma doença cerebral prévia, como epilepsia ou retardo mental. Todos vinham de famílias desintegradas e violentas, e viviam há anos sob as mais difíceis condições psicossociais. O cenário geral confirma várias pesquisas em muitos lugares: existe uma relação causal direta entre privação afetiva ou abuso na infância e condutas sociopáticas na adolescência. Além disso, existe um agravante social importante no Brasil: a falta de cultura, ou seja, nos falta um conjunto de crenças e práticas comuns que promovam o desenvolvimento pessoal e a coesão social, e que estimulem a educação e a segurança dos indivíduos. Prova eloqüente disto é o número enorme de servidores públicos, políticos, administradores e cidadãos comuns presos todos os dias por conduta criminosa.

Escrevo sem conhecer o projeto de pesquisa recentemente noticiado, envolvendo adolescentes da Fase (fica a sugestão de disponibilizá-lo em algum site, se ainda não está, principalmente se for financiado por dinheiro público). Como um bom projeto de pesquisa, deve apresentar uma hipótese. Qual é? Depreendo que esta hipótese possibilite encontrar correlações estatisticamente significantes entre genética e neurologia e comportamento violento, segundo o texto da reportagem na ZH de 24 de janeiro. A julgar pela notícia no site da Associação Paulista de Medicina, existe grande confusão conceitual entre os envolvidos, além de uma situação política, o que aliás complica deveras uma pesquisa que pretende ser ciência isenta. Termos como "políticas públicas" e "prevenção" já são usados antes mesmo dos resultados da pesquisa.

Se for assim, a idéia, cientificamente, é obtusa e bizarra (seus aspectos políticos merecem análise mais detalhada). É como chover no molhado ou reinventar a roda. Os determinantes psicossociais do comportamento agressivo já são sobejamente conhecidos através dos inúmeros trabalhos já publicados, aqui e mundo afora. Fatores orgânicos, genéticos e neurológicos também já são conhecidos, verificados em amostras de indivíduos muito mais adequadas do que esta em questão. Previsivelmente, revelaram-se com peso ínfimo e desprezível em comparação com os fatores familiares e psicossociais no contexto populacional geral. Introduzir adolescentes em tubos de ressonância nuclear para ver seus cérebros, ou determinar seu genoma, é um disparate em nosso contexto de carência de recursos; principalmente diante das histórias de vida desses guris que não tiveram nada de bom na vida.

Suponhamos que os cientistas professores doutores políticos encontrem lesões cerebrais ou defeitos genéticos em seus probandos. Como avaliar? Como entender? Como "pesar"? Explicaria a epidemia assassina e sociopática em que vivemos? Isto deve estar detalhado no projeto.Diante do sarcasmo de um sábio geneticista local, só nos resta concluir que alguns cientistas têm, sim, sua função mental no pé.

Resistência à ciência, por Homero Dewes*
*Professor do Instituto de Biociências, UFRGS

Enquanto um neurobiologista brasileiro que trabalha nos Estados Unidos tem seu feito científico celebrado mundialmente, ao expressar processos mentais em movimentos robóticos, dois neurobiologistas brasileiros que trabalham em universidades de Porto Alegre estão tendo suas pesquisas execradas por um grupo de profissionais do campo das ciências sociais que repudiam os avanços da neurobiologia no estudo do comportamento humano.

Para os signatários da nota de repúdio aos estudos da atividade neurológica de adolescentes infratores, proposta por pesquisadores da PUCRS e da UFRGS, aparentemente, as questões científicas relativas ao comportamento juvenil brasileiro já foram todas resolvidas pela legislação em vigor, a qual determina que a violência juvenil seja resultado das vicissitudes sociais, políticas e econômicas da sociedade brasileira injusta e que nada tem a ver com a atividade cerebral dos indivíduos envolvidos.

Para quem pouco tempo ou interesse tem de acompanhar os avanços científicos, seja nas disciplinas do seu próprio campo de trabalho, seja em outros campos, pode ser novidade saber que um dos temas de pesquisa apontados pela comunidade científica internacional dentre os mais dinâmicos e promissores para este século é o estudo e o entendimento das bases biológicas da consciência. Nesta fronteira científica está o entendimento dos processos neurológicos associados aos sentidos, aos sentimentos e ao instinto da moral. Com as tecnologias de ressonância hoje disponíveis, a cada dia mais se aprende sobre o que se passa no cérebro, a cada memória, a cada desejo e a cada ação. Obstruir no país a pesquisa em neurobiologia comportamental é pretender banir das nossas universidades a pesquisa científica contemporânea e de vanguarda, condenar a ciência social brasileira à marginalidade e o profissional social brasileiro ao obscurantismo.

Num país em que organizações não-governamentais destroem campos experimentais impunemente e em que laboratórios científicos são queimados criminosamente, a emergência de oposição fanática e organizada à neurobiologia comportamental no país é um processo muito sério e potencialmente catastrófico para a ciência, para os cientistas e para o povo brasileiro. Melhor seria, para todos nós, se abríssemos nossas cabeças para novos conhecimentos e aprendêssemos a celebrar com orgulho os feitos dos cientistas brasileiros, enquanto realizados na sua própria terra.

Fonte: Notícias do CRP-RS.

A Pesquisa Maldita - A opinião de Karen Eidelwein

Pesquisa "cerebral" com adolescentes
25/01/2008 - Direitos Humanos

O crescimento dos discursos sobre violência e criminalidade anda de mãos dadas com uma cultura biologizada que desloca a atenção da necessidade de reformas sociais para o âmbito individual, com o argumento de proteger a população "normal" dos "indivíduos ameaçadores", como se a criminalidade estivesse inscrita no corpo dos sujeitos. A questão que deveria nos ocupar seriamente é o que essa população chamada "normal" tem feito pelos ditos "indivíduos perigosos".

Diante disso, vimos por meio deste manifestar nosso repúdio ao projeto de pesquisa a ser desenvolvido por pesquisadores de duas instituições de Ensino Superior da capital gaúcha que propõe mapear o cérebro de adolescentes que cumprem medida socioeducativa devido a homicídios praticados, tendo como objetivo investigar "a base biológica da violência". Questionamos os efeitos e as possíveis conseqüências do referido estudo em função de sustentar e fomentar um entendimento maniqueísta, reducionista e individualista das questões que envolvem o tema da criminalidade.

Inscrever a questão da violência no cérebro desses adolescentes traz ainda uma ameaça de afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pois, na medida em que se biologiza a questão, que tipos de alternativas ou tratamentos serão propostos para "controlar" esses indivíduos? O que será feito daqueles que, submetidos aos poderes e técnicas científicas, tiverem uma condição biológica que os coloca como "inimigos da sociedade"? Para além de reeditar aspectos de um controle biológico da população, do século passado, criando subpopulações de pessoas propensas ao crime, os discursos atuais da manipulação biológica podem ostentar uma promessa de segurança pública pautada no controle e alteração dessa condição pela utilização de técnicas que poderão facilmente envolver o aumento da utilização de psicofármacos, de eletroconvulsoterapias e de medidas cada vez mais punitivas e repressivas.

Precisamos ir além de dicotomias sobre achar causas biológicas ou sociais para entender as relações de poder, éticas e políticas que estão envolvidas na questão da violência e da criminalidade. Diante do tipo de estudo que está sendo proposto e dos resultados que dele poderão advir, é imprescindível questionar quais os benefícios e os beneficiários da pesquisa; quais as ameaças e ganhos advindos e quem sofrerá seus efeitos; quais os custos e quem arcará com os mesmos. Enfim, é necessário discutir, para além das capacidades técnicas e metodológicas da ciência, as questões políticas e éticas que devem orientar qualquer pesquisa, principalmente quando envolve pessoas já tão violentadas na sua dignidade. Um dos questionamentos viáveis neste contexto é sobre a escolha dessa população como "os" responsáveis pela violência contemporânea, utilizando critérios meramente jurídico-penais ou até mesmo raciais e morais.

Acreditamos que a questão criminal na contemporaneidade deva ser tratada na sua complexidade, sendo impossível chegar a certezas absolutas, objetivas e observáveis, tanto química quanto biologicamente, sobre a subjetividade humana, através da utilização de métodos exclusivos das ciências naturais a fim de produzir "verdades" unilaterais para algo que é de outra ordem.

Karen Eidelwein
Presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul

Fonte: Notícias do CRP-RS.

A Pesquisa Maldita - A Opinião de Ivan Izquierdo

Infância de jovens homicidas será foco de pesquisa
*Matéria publicada no jornal Zero Hora, em 25 de janeiro de 2008.

Embora a proposta de exame do cérebro tenha levantado polêmica nacional sobre um projeto de pesquisa gaúcho com jovens homicidas, especialistas esclarecem que são os cuidados na infância que formam um dos pontos cruciais do trabalho.

Uma das hipóteses que deverão ser testadas é a de que o estresse continuado durante os primeiros anos de vida predispõe à agressividade.Se aprovada pelos comitês de ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Pontifícia Universidade Católica - apesar da avaliação de um grupo de psicólogos, advogados e representantes de ONGs expressa em abaixo-assinado de que a iniciativa estigmatiza os infratores - , a pesquisa vai procurar as origens do comportamento violento de internos homicidas da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado (Fase).Um dos responsáveis pelo trabalho, o professor do departamento de Genética da UFRGS Renato Zamora Flores, aposta que uma das conclusões será a importância dos cuidados nos primeiros anos de vida.- Minha hipótese é de que os eventos relacionados com o comportamento violento serão os maus-tratos e o estresse nos primeiros anos de vida. O estresse continuado levanta o nível do hormônio cortisol que, nos primeiros anos, esculhamba o cérebro - avalia.

A avaliação deverá incluir entrevistas com familiares e testes com 50 internos a fim de avaliar condições sociais, psicológicas, genéticas e psiquiátricas que ajudem a explicar a agressividade juvenil. Se aprovada, a pesquisa deve começar em março.

Sobre a liberdade de pesquisar
Vários dos principais pesquisadores em neurociência do comportamento do país, pertencentes à UFRGS e à PUCRS, elaboraram um projeto de pesquisa que visa a estudar aspectos do funcionamento cerebral que possam estar relacionados à violência. Haja visto a enorme incidência desta no Brasil, sabidamente um dos países mais violentos do mundo, e o fato de que a neurociência estudou durante décadas os mecanismos cerebrais vinculados com a violência em animais, o projeto é sem dúvida de grande interesse. O projeto visa também a avaliar a participação de aspectos sociais e socioeconômicos na violência no país.

Chama poderosamente a atenção que um reduzido grupo de sociólogos e psicólogos (101 pessoas ao todo) não vinculados à atividade científica tenha emitido publicamente uma forte opinião contrária à realização desse projeto. No melhor estilo da censura prévia da Espanha da Inquisição, da Alemanha de Hitler, da Rússia de Stalin, ou da Romênia de Ceausescu. Se opõem ao projeto em si, e algum deles promete exercer essa oposição "ao nível que for preciso": jurídico, etc. Alegam que o projeto é elitista, talvez porque na sua fase inicial estudará internos da Fase - ex-Febem. Não comentam o fato de que o mesmo prevê o estudo de outros indivíduos numa fase seguinte, inclusive "filhinhos de papai". Alegam que é "triste a universidade que ainda se mobiliza para esse tipo de estudo", ignorando que é justamente a função dela realizá-los; duas universidades, neste caso. Certamente não é função dos leigos opinar sobre o assunto sem ter base para tanto. Os 101 assinantes prevêem conclusões fatídicas desse estudo, que não foi ainda sequer começado. Não o leram em detalhe, porque se o tivessem feito, teriam percebido que o projeto prevê estudos sociológicos e socioeconômicos também, em paralelo.

Este é um momento em que parece renascer o obscurantismo no Brasil que julgávamos desaparecido com a implantação da República. Ao mesmo tempo em que não-cientistas emitem virulentas declarações sobre ciência, como esta dos 101 assinantes mencionada acima, surgem grupos de antiviviseccionistas, grupos de opositores ao uso de fármacos ou vacinas para o tratamento das doenças etc.

Felizmente, a reação da grande imprensa a essas críticas desvairadas e amadorísticas foi rápida no caso do projeto do estudo da violência. A imprensa percebeu que aqui, no caso de um problema de tanta importância, o certo não é proibir "a priori" aquilo que se desconhece, senão investigá-lo. Quanto mais o façam, melhor será a possibilidade da procura de soluções, a diversos níveis. Espero que o projeto dos professores Jaderson da Costa (PUCRS) e Renato Zamora Flores (UFRGS), e do secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, seja bem-sucedido. Trará luz a um problema que deve ser abordado de muitos ângulos, e só assim encontrará solução alguma vez. Evidentemente, já que o cérebro é o órgão que organiza, decide e comanda os atos de violência, é útil saber como o faz. Jogar uma ideologia em cima de semelhante problema será simples, mas não tem trazido resultados até agora; nem no Brasil nem em parte alguma do mundo.

"IVAN ANTONIO IZQUIERDO Integrante do Centro de Memória da PUCRS e da Academia Brasileira de Ciências

Fonte: Notícias do CRP-RS.

A Pesquisa Maldita - Outro vídeo: Record

Também na "Sala de Imprensa" do site da PUCRS, há um vídeo da reportagem exibida no dia 23 de janeiro de 2008 na Record. Assista só se gostar de ser tratado feito idiota (as expressões faciais da âncora que introduz a matéria lembram as das tias do pré-primário). Em todo caso, está feito o registro aqui.

Record - canal 2
Rio Grande Record: Mapeamento do cérebro

A Pesquisa Maldita - Debate no programa "Conversas Cruzadas" da TV COM

No dia 23 de janeiro deste ano, a TV COM apresentou o programa "Conversas Cruzadas" com um debate sobre a pesquisa neurológica com os meninos da FASE, com a participação do professor de Genética da UFRGS Renato Zamora Flores, o secretário estadual de saúde e mestrando em neurociências Osmar Terra, a representante do CRP-RS e doutoranda em Psicologia Martha Narvaz e o responsável pela Comissão de Direitos Humanos da OAB e professor de Direito na Feevale, Ricardo Breier. Abaixo estão os links que a PUCRS disponibilizou em sua "Sala de Imprensa".

Acredito que este debate retrata de forma magistral como o debate em torno dessa pesquisa tem sido. Vale a pena assistir.

TV COM - canal 36
Conversas Cruzadas: Pesquisa Polêmica (parte 1)
Conversas Cruzadas: Pesquisa Polêmica (parte 2)
Conversas Cruzadas: Pesquisa Polêmica (parte 3)
Conversas Cruzadas: Pesquisa Polêmica (parte 4)

A Pesquisa Maldita - A Opinião de Renato Zamora Flores

Feudalismo acadêmico nas ciências sociais
Renato Zamora Flores - publicado na Folha de São Paulo em 21/01/2008

"No Brasil, devido a um indiscutível feudalismo científico, a maioria dos cursos de ciências sociais e de psicologia simplesmente ignora o que ocorre em outras áreas do conhecimento e forma profissionais que não conseguem entender o que ocorre na seara alheia”.

Renato Zamora Flores é professor de genética da UFRGS. Artigo publicado na “Folha de SP”:

Talvez o maior desafio da interdisciplinaridade seja a necessidade de entendermos como funcionam outras áreas do conhecimento, além do eventual arcabouço teórico em que acreditamos.

O problema parece ser especialmente grave entre cientistas e psicólogos sociais que, de modo geral, desconhecem o conjunto de áreas do conhecimento denominadas de neurociências e que incluem, desde a bioquímica e a genética, até a neurologia e a psiquiatria.

Estas áreas progrediram muito nas três últimas décadas e, para se estar minimamente informado sobre os seus avanços, é necessário uma ampla quantidade de leitura e estudos.

No Brasil, devido a um indiscutível feudalismo científico, a maioria dos cursos de ciências sociais e de psicologia simplesmente ignora o que ocorre em outras áreas do conhecimento e forma profissionais que, apesar de competentes em seus assuntos específicos, não conseguem entender o que ocorre na seara alheia.Assim, quando propusemos um estudo sobre adolescentes violentos, descrito com propriedade em matéria da Folha (26.nov., pág A15), fomos surpreendidos com uma estapafúrdica nota de repúdio que, sob a capa de estímulo à discussão, qualificava o empreendimento, entre outras ofensas e agressões, de eugênico e vinculado a práticas de extermínio.

Os críticos parecem acreditar que fenômenos mentais e sociais ocorrem independentemente dos cérebros dos indivíduos. Para eles, estudos biológicos do comportamento são irrelevantes pois os efeitos da cultura e do ambiente social afetam a mente, que deve estar em algum lugar que não o cérebro, talvez em uma estrutura etérea como a alma. Para piorar, parecem confundir "biológico" com implacável e imutável.

Como a nota de repúdio explica, por exemplo, o vínculo com o conceito de "eugenia"? Esse é um termo criado por Francis Galton (1822-1911), que o definiu como "o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações, seja fisica ou mentalmente".

Tal prática foi utilizada por norte-americanos e alemães na primeira metade do século 20, sem qualquer resultado relevante. Por exemplo, o regime nazista eliminou mais de 80% dos deficientes e doentes mentais sem qualquer impacto epidemiológico no número de afetados por estas enfermidades na geração seguinte.

Nenhum biólogo minimamente informado proporia tal prática. Apenas os que desconhecem esse aspecto da história vinculariam o estudo proposto a uma prática tão ineficiente e cruel.O que decorreu deste documento equivocado foi uma ampla crítica da comunidade científica aos autores da nota. Como bem disse Jairo Eduardo Borges-Andrade, professor de psicologia social da UnB, "a nota de repúdio "prega" uma visão de mundo (teoria) e uma forma de fazer pesquisa (método) e não somente julga, mas condena e propõe penalidades para aqueles que não seguem a teoria e o método que considera apropriados".

Por que fazer uso da defesa dos direitos humanos e das crianças como escudo para fundamentar a pregação de uma única forma de fazer pesquisa?

Fonte: Jornal da Ciência.

A Pesquisa Maldita - Sobre a nota de repúdio

Psicólogos tentam impedir pesquisa com homicidas
21/01/2008 - 08h26

RAFAEL GARCIA
da Folha de S.Paulo

Um grupo de mais de cem pessoas, que inclui psicólogos, advogados, antropólogos e educadores, quer tentar impedir a realização de um projeto de pesquisa que pretende mapear o cérebro de 50 adolescentes homicidas em Porto Alegre (RS). A reação contra os cientistas que lideram a proposta cresceu a partir de dezembro passado, quando um abaixo-assinado acompanhado de uma nota de repúdio de autoria coletiva começou a circular.

A versão mais atual do documento está assinada por 101 pessoas, incluindo integrantes do CFP (Conselho Federal de Psicologia) e de conselhos regionais. Baseada em reportagem publicada pela Folha em 26 de novembro último, a nota compara a pesquisa a "práticas de extermínio" e de motivação "eugenista".

Dois dos líderes do projeto que está sendo criticado são o neurocientista Jaderson da Costa, da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), e o geneticista Renato Zamora Flores, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Um aluno de mestrado no grupo é o secretário da Saúde do Estado, Osmar Terra, deputado federal licenciado pelo PMDB.

A intenção dos cientistas é analisar em uma mesma pesquisa aspectos neurobiológicos, psicológicos e sociais do comportamento violento, tendo como foco de pesquisa um grupo de internos da Fase (antiga Febem gaúcha).
O projeto de pesquisa ainda não foi protocolado no comitê de ética da PUC-RS, que vai avaliá-lo, mas alguns signatários da nota de repúdio já estão organizando uma reação.

"A gente pretende evitar que ele se realize", diz Ana Luiza Castro, psicóloga do Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre. "Entendemos que ele fere o Estatuto da Criança e do Adolescente e fere os direitos humanos porque parte desse princípio: liga a violência a um determinado grupo social."

Castro, que foi diretora da Fase no governo Olívio Dutra (PT), diz que pretende tentar barrar a pesquisa recorrendo à própria PUC-RS e, se não der certo, estuda ir ao juizado o ou ao Ministério Público.

"O estatuto fala de garantias, de reeducação e de reinserção social dos adolescentes", diz a psicóloga. "Nós não entendemos em que medida esse tipo de estudo pode ajudar nisso."

Para Jaderson da Costa, os signatários do abaixo-assinado aderiram ao movimento por desinformação ou por não compreenderem a reportagem sobre a pesquisa.

"O que eles assimilaram foi que nós estaríamos sendo reducionistas, procurando simplesmente uma base neurobiológica e desprezando qualquer outro fator", diz Costa. "Na realidade, é um projeto que visa mesmo ver bases neurobiológicas, neurológicas e genéticas, mas não descuida dos aspectos neuropsicológicos, psiquiátricos, emocionais e sociais."

Segundo o neurocientista, a reação contrária à pesquisa se deve a uma vertente acadêmica que rejeita a incorporação da neurobiologia no estudo do comportamento humano. "Existe uma corrente retrógrada, que quer manter o conhecimento como está", diz. "Mas o foro para resolver essas coisas não é esse bate-boca com abaixo-assinado. O foro é a academia, a discussão acadêmica."

Fonte: Folha de São Paulo.

A Pesquisa Maldita - Quem assinou a nota de repúdio

Achei uma lista, ainda incompleta, dos signatários da nota de repúdio à Pesquisa Maldita. Pode parecer uma atitude persecutória, mas quem assinou, concordou em colocar seu nome na rede. Quando achar os 31 que faltam, atualizarei este post. Lá vai:

1. Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla - Departamento de Psicologia Educacional Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas;
2. Angel Pino - psicólogo e criminólogo, professor da Unicamp;
3. Antonio Carlos Amorim - Faculdade de Educação/Unicamp;
4. Antonio Miguel - Professor da FE-UNICAMP;
5. Associação Excola;
6. Áurea M. Guimarães - F.E. – Unicamp;
7. Carlos Eduardo Albuquerque Miranda - Professor da FE – UNICAMP;
8. Carlos Eduardo Millen Grosso - Mestre em História pela PUC-RS;
9. Carmen Lucia Soares- Professora da FE e FEF-UNICAMP;
10. Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância - CIESPI;
11. Childhope Brasil- Dayse Tozzato (Diretora-Presidente);
12. Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro – CDH/CRP-05;
13. Comissão de Direitos Humanos do CRP 06 (São Paulo);
14. Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia – CNDH/CFP;
15. Cristina Rauter – Professora da Universidade Federal Fluminense / UFF;
16. Curso de Especialização em Psicologia Jurídica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ UERJ;
17. Daniel Damiani - 1° Diretor de Assistência Estudantil da UNE;
18. Dario Fiorentini - Professor da FE-UNICAMP;
19. Des. Siro Darlan de Oliveira – Presidente do CEDCA/RJ;
20.Edgard de Assis Carvalho- Professor; Coordenador do Núcleo de Estudos da Complexidade da PUC/SP;
21. Ezequiel Theodoro da Silva – Unicamp;
22. Fernanda Rodrigues da Guia - Acadêmica de Psicologia da UFF -Estagiária da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio deJaneiro;
23. Gaudêncio Frigotto – Professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. PPFH/UERJ;
24. Grupo Atitude! Protagonismo Juvenil;
25. Helena Costa Lopes de Freitas - Profa. Aposentada UNICAMP;
26. Heloísa Helena Pimenta Rocha FE-UNICAMP;
27. Janne Calhau Mourão – Psicóloga – Projeto Clínico-Grupal TNM- RJ;
28. Jeferson Pereira, ONG Orselit – Porto Alegre;
29. José Claudinei Lombardi - Professor da FE UNICAMP; Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas HISTEDBR;
30. Késia D’Almeida – Pedagoga da Creche da Fundação Oswaldo Cruz;
31. Klelia Canabrava Aleixo. Professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais;
32. Lenir Nascimento da Silva – Pediatra da Creche da Fundação Oswaldo Cruz/FIOCRUZ;
33. Luci Banks Leite-Professora FE-UNICAMP;
34. Luciene Naiff – UNIVERSO;
35. Luís Gustavo Franco, advogado e professor de Direito da Criança e do Adolescente da UNDB - São Luís/MA;
36. Luiz Fernandes de Oliveira - CAp UERJ, FAETEC e PUC-Rio;
37. Lygia Santa Maria Ayres - psicóloga, pesquisadora da UFF e conselheira presidente da Comissão de Orientação e Etica do CRP RJ;
38. Marcelo Cafrune, advogado, mestrando em Direito na UFSC;
39. Marcelo Dalla Vecchia - Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS);
40. Márcia Badaró – Conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-05);
41. Margareth Silva Rodrigues Alves – Historiadora - Diretora do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Cabo Frio – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. PPFH/UERJ;
42. Maria da Conceição Xavier de Almeida- Professora; Coordenadora do Grupo de Estudos da Complexidade da UFRN;
43. Maria das Graças de Carvalho Henriques Áspera – Psicóloga da FUNDAC – Fundação da Criança e do Adolescente (Bahia);
44. Maria Helena Salgado Bagnato;
45. Maria Helena Zamora - Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro / PUC-Rio;
46. Marília Denardin Budó - RG 1063484909 - Mestrado em Direito - UFSCIsis de Jesus Garcia - Mestranda UFSC Direito;
47. Mônica Lins – Colégio de Aplicação da UERJ;
48. Nuances – grupo pela livre expressão sexual – Porto Alegre;
49. Núcleo de Pesquisas Políticias que produzem educação (NUPE) da UERJ;
50. Patrícia Trópia Professora da PUC-Campinas;
51. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho – Vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-05) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro/ UFRJ;
52. Programa Cidadania e Direitos Humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - PCDH/UERJ;
53. Programa Pró-Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ UERJ;
54. Rafael L. F. da C. Schincariol - mestrando em direito pela UFSC;
55. Raquel de Almeida Moraes - Doutora em Educação pela Unicamp - Professora da Universidade de Brasília - Programa de Pós-Graduação em Educação;
56. Regina Maria Bastos Ferreira - Professora da Universidade Comunitária Regional de Chapecó/SC;
57. Regina Maria de Souza - docente da Faculdade de Educação da UNICAMP;
58. Rita de Cássia Fagundes - Educadora - Agente Jovem - Cascavel/PR;
59. Simone Brandão Souza – Coordenação de Serviço Social – SEAP – RJ;
60. Tatiana Machado – Marcha Mundial de Mulheres;
61. Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero – Porto Alegre;
62. Conselho Regional de Psicologia do RS;
63. Maria Theresa da Costa Barros – Pós-Doutoranda do Instituto de Medicina Social da UERJ – Grupo de Pesquisa – Juventudes, Violências e Subjetivações sob patrocínio da FAPERJ;
64. Ceniriani Vargas da Silva - MNLM - Movimento Nacional de Luta pela Moradia;
65. André de Jesus - MHHOB - Movimento Hip Hop Organizado Brasileiro;
66. Sabrina Santos Brum - Circulando Informação e Arte Urbana;
67. João Paulo Pontes - Conselheiro Temática Cultura - Orçamento Participativo - Porto Alegre Rede Juventudes de Porto Alegre;
68. Lindomar Expedito Silva Darós (CRP-RJ coordenador regional do CREPOP e psicólogo concursado do quadro do TJRJ-VIJI/São Gonçalo);
69. Estela Scheinvar, UERJ/UFF;
70. Grupo Tortura Nunca Mais, Rio de Janeiro - GTNM/RJ


Fontes: Notícias do CRP-RS; Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH.

A Pesquisa Maldita - A nota de repúdio

Aqui vai a nota de repúdio contra a pesquisa da PUCRS e da UFRGS com meninos infratores internos da FASE. Ela foi assinada por psicólogos, antropólogos, advogados e educadores, que acusaram os pesquisadores de "eugenistas" e "exterminadores". Leiam a nota e tirem suas próprias conclusões (pessoalmente, aposto que foi alguém da Psicologia Social quem escreveu essa nota). Ainda estou tentando achar a lista de todas as pessoas que assinaram a nota.

NOTA DE REPÚDIO

É com tristeza e preocupação que recebemos a notícia de que universidades de grande visibilidade na vida acadêmica brasileira estão destinando recursos e investimentos para velhas práticas de exclusão e de extermínio.

A notícia de que a PUC-RS e a UFRGS vão realizar estudos e mapeamentos de ressonância magnética no cérebro de 50 adolescentes infratores para analisar aspectos neurológicos que seriam causadores de suas práticas de infração nos remete às mais arcaicas e retrógradas práticas eugenistas do início do século 20.

Privilegiar aspectos biológicos para a compreensão dos atos infracionais dos adolescentes em detrimento de análises que levem em conta os jogos de poder-saber que se constituem na complexa realidade brasileira e que provocam tais fenômenos é ratificar sob o agasalho da ciência que os adolescentes são o princípio, o meio e o fim do problema, identificando-os seja como "inimigo interno" seja como "perigo biológico", desconhecendo toda a luta pelos direitos das crianças e dos adolescentes, que culminou na aprovação da legislação em vigor, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Pensar o fenômeno da violência no Brasil de hoje é construir um pensamento complexo, que leve em consideração as redes que são cada vez mais fragmentadas, o medo do futuro cada vez mais concreto e a ausência de instituições que de fato construam alianças com as populações mais excluídas.

É falar da corrupção que produz morte e isolamento e da precariedade das políticas públicas, sejam elas as políticas sociais básicas como educação e saúde, sejam elas as medidas sócio-educativas ou de proteção especial.

Enquanto a Universidade se colocar como um ente externo que apenas fragmenta, analisa e estuda este real, sem entender e analisar suas reais implicações na produção desta realidade, a porta continuará aberta para a disseminação de práticas excludentes, de realidades genocidas, de estudos que mantêm as coisas como estão.


Violência não é apenas o cometimento do ato infracional do adolescente, mas também todas aquelas ações que disseminam perspectivas e práticas que reforçam a exclusão, o medo, a morte.
Triste universidade esta que ainda se mobiliza para este tipo de estudo, esquecendo-se que a Proteção Integral que embasa o ECA compreende a criança e o adolescente não apenas como "sujeito de direitos" mas também como "pessoa em desenvolvimento" -o que por si já é suficiente para não engessar o adolescente em uma identidade qualquer, seja ela de "violento" ou "incorrigível".


A universidade brasileira pode desejar um outro futuro: o de estar à altura de nossas crianças e adolescentes.

Fonte: Notícias do CRP-RS.

A Pesquisa Maldita - A reportagem que começou com toda essa porcaria

Diante da grande polêmica gerada em torno da pesquisa com os menores infratores da FASE, a ser realizada em conjunto pela PUCRS e pela UFRGS, decidi fazer uma cronologia de toda a inana. Aqui vai a primeira reportagem que recebi sobre o assunto, e que provavelmente foi o estopim para toda a polêmica:

26/11/2007
Estudo vai mapear cérebro de homicidas

Projeto de universidades gaúchas examinará mais de 50 menores infratores para investigar base biológica da violência
Grupo vai analisar aspectos genético, psicológico, social e cerebral de adolescentes; secretário da Saúde do RS é um dos mentores do projeto


RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

"Eu estava sozinho na rua. Não tinha recurso. Ninguém queria me dar serviço. O que queriam me dar não dava dinheiro. Comecei a traficar, roubar, matar." A história de D.S., de 17 anos, interno da Fase (Fundação de Atendimento Socio-Educativo, antiga Febem gaúcha) parece ser comum entre as dos mais de 50 adolescentes homicidas que vão ter seus cérebros mapeados por um aparelho de ressonância magnética num estudo em Porto Alegre, no ano que vem.

Cientistas da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e da UFRGS (Universidade Federal do RS) querem saber se o que determina o comportamento de um menor infrator é sua história de vida e se há algo físico no cérebro levando-o à agressividade.
"Algo que sempre foi negligenciado foi o entendimento da violência como aspecto de saúde pública", diz Jaderson da Costa, neurocientista da PUC-RS que coordenará os trabalhos de mapeamento cerebral. A idéia é entender quais pontos são mais relevantes dentro da realidade brasileira na hora de determinar como se produz uma mente criminosa.

Para isso serão avaliados também aspectos genéticos, neurológicos, psicológicos e sociais de cada pesquisado. Serão examinados dois grupos: um de internos da Fase e outro de meninos sem passado de crime, para efeito de comparação. O projeto vai olhar para questões sociais, mas o foco é mesmo o fundo biológico da questão.
"Estamos nos baseando em trabalhos que já existem mostrando que há um período crítico no início da vida e que se uma criança é maltratada entre o 8º e o 18º mês ela adquire comportamento alterado na idade adulta", diz um dos mentores do projeto, o secretário de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, aluno de mestrado de Costa. "Decidi no ano passado retomar a neurociência como uma opção de vida; minha opção não é fazer política até morrer", diz.

Cabeça de agressor
Para os cientistas, um ambiente de desenvolvimento inadequado pode mesmo "fabricar" um psicopata: pessoa que despreza regras de convívio social e é desprovida de sentimentos de empatia e afeto. O papel do mapeamento cerebral por ressonância magnética na pesquisa é tentar entender a manifestação física de problemas como esse. O trabalho que inspira Costa nessa área é um artigo do grupo do neurocientista português António Damasio publicado em 1999. O estudo mostra que meninos que sofreram lesões no córtex pré-frontal -região do cérebro próxima à testa- tinham sérios problemas de sociabilidade após crescer. "A aquisição de convenções sociais complexas e de regras morais se estabelece precocemente", diz Costa. "Essas lesões podem resultar mais tarde numa síndrome parecida com a psicopatia." O cientista quer saber se, independentemente de lesões, meninos cronicamente violentos tenham atividade reduzida em alguma região do córtex pré-frontal, área cerebral ligada a tarefas mentais que envolvem juízo moral. "Não queremos que isso sirva como roupa sob medida para explicar todos os casos, mas pode explicar boa parte", diz.

Traumas e psicopatia
Na avaliação psicológica que complementará o estudo, três questionários serão aplicados. Um deles avalia se houve traumas na infância dos pesquisados, outro avalia o histórico de vida familiar e escolar. "Um terceiro tenta identificar se há ou não um traço de psicopatia ou comportamento violento extremo", explica Ângela Maria Freitas, psicóloga da PUC-RS que integra o projeto. O DNA dos meninos também será analisado. O projeto de Costa e Terra ainda está sendo analisado por um comitê de ética da PUC-RS, e os cientistas se dizem confiantes de que a aprovação sairá para início dos trabalhos em março de 2008. O custo da empreitada, avaliado por Terra em cerca de R$ 120 mil, será coberto com doações da siderúrgica Gerdau para a pesquisa, afirma o secretário da Saúde.