domingo, 28 de junho de 2009

Postura Terapêutica em Situações Complicadas

Esse post é baseado em uma conversa que eu e meu colega Bruno tivemos no Google Talk. É curta, mas aborda assuntos que todos que trabalham na área da saúde eventualmente terão que confrontar, especialmente profissionais da saúde mental. Corrigi erros de português e coloquei umas palavras a mais para deixar o texto mais claro, mas não mudei sua essência. Aqui vai ele:

Eu: Cara, mudando de assunto, qual tua opinião a respeito de dizer o diagnóstico para o paciente? Por exemplo, dizer para uma paciente que ela é borderline? Tu acha que é terapêutico ou iatrogênico?

Bruno: depende de cada caso, e do teu plano sobre o que fazer ao informá-lo. No caso, digamos, de uma adolescente identificada como borderline, primeiro, é preciso testar rigorosamente essa hipótese. Também é preciso avaliar a gravidade. Se ela tem muitas tendências suicidas, e já tentou matar ex-namorados algumas vezes é bom informar a ela e aos seus familiares o que é isso e como proceder, e porque é importante ela se manter em tratamento. Por que a pergunta?

Eu: Interesse acadêmico. Meu supervisor local falou sobre isso esses tempos lá no Morada, e depois eu ouvi alguém no congresso falar exatamente o oposto.

Bruno: Hummmmm... teu supervisor local se posicionou contra a devolução do diagnostico?

Eu: Sim – disse que era iatrogênico dizer para alguém que ele era neurótico, por que ela se identificaria com isso. Ou algo assim.

Bruno: hummmmm... No caso do diagnostico estrutural psicanalítico, eu acho que sim. E de transtornos de personalidade também... com exceção de borderline, talvez. Tipo, não me parece que ajuda dizer pro paciente que ele é histriônico ou narcisista, mas dizer que ele tem Transtorno de Humor Bipolar, personalidade borderline, epilepsia ou esquizofrenia parece muito benéfico, porque ajuda ele a se entender, e entender que aquilo vai continuar pra sempre mesmo, e vai ter que seguir em tratamento psicológico e farmacológico.

Eu: Então, na tua opinião, depende do transtorno?

Bruno: Depende do beneficio que for trazer. Tem transtornos que parecem não trazer beneficio nenhum, enquanto outros sim.

Eu: É contextual, então.

Bruno: Aham, e depende muito da conduta do terapeuta. Tipo, só mostrar o diagnostico vai deixar o paciente muito confuso. É importante explicar como funciona e, principalmente, o que fazer. Isso tem que ajudar ele a se entender, ser compreendido por familiares e colegas, e fornecer o instrumental para ele viver uma vida mais feliz

Eu: E, mais importante, o terapeuta deve deixar claro que tem tratamento, por que se não, daí sim é iatrogênico.

Bruno: Bah, muito boa. Isso se aplica pra diagnosticos psi. Lembra da Síndrome de Huntington? Ou da Síndrome de Hatch? São doenças neurodegenerativas muito graves e sem cura, e é um baita dilema sobre dizer ou não que a pessoa pode demenciar e morrer logo. Mas acho que aí que ta o tentar oferecer uma vida de menos sofrimento. Tipo, dizer isso pra um adulto, que ele vai demenciar e morrer dentro de dez anos, tem que ser acompanhado de um baita trabalho para estimulá-lo a aproveitar a sua vida plenamente, se não ele vai acreditar que não vale a pena viver. E dar a certeza de que, quando ele demenciar, sua família vai acolhe-lo com cobertores quentinhos, comida boa e deixá-lo vendo desenho e levando-o para a praça ou para ver o mar.

Eu: Essa certeza é meio complicada de dar, considerando que não depende da gente.

Bruno: Sim, sim. Mas a gente tem que fazer esse acordo com a família.

Eu: E torcer para que eles cumpram com a palavra deles (ou que o paciente demencie logo e não lembre nada a respeito disso).

Bruno: XDDDDDDDDD

Eu: Em todo caso, a gente cai na velha discussão de "quem cuida dos cuidadores?" - por que, por um lado, cuidar de um familiar demenciado não é fácil, mas por outro, cumprir a promessa de dar cuidado para ele pode dar uma sensação de sentido para os cuidadores.

Bruno: por isso a importância do acompanhamento. Os familiares também sofrem, e precisam desse amparo e de orientação.

domingo, 19 de abril de 2009

Ciência e Psicologia (2)

Inspirado na postagem do Andarilho, resolvi também expressar minha opinião quanto a esse delicado assunto. Perdoem se for dificil de entender o que pretendo dizer, mas tenho sérios problemas com linguagem escrita e organização de pensamentos (vocês verão que o que digo é trazido por muitos autores diferentes, mas que se misturam na minha cabeça e não consigo distingüir as idéias de cada um).

Muitas vezes, e por muitas pessoas, já fui chamado de "religioso da ciência", "amante de Darwin", e assim vai. Gostaria de esclarecer um pouco desse pouco conhecimento que as pessoas tem sobre mim e sobre meu pensamento, de maneira que, antes de me criticarem, saibam como eu penso no momento.

Entrei no curso de graduação em Psicologia com o intuito de estudar Psicanálise e seguir trabalhando nessa área; após algum tempinho de estudo sobre o assunto, percebi a circularidade da teoria Freudiana e os perigos isso poderia causar (os tais Mecanismos de Defesa colocam qualquer paciente na mão do analista). Passei a me interessar então pelo Behaviorismo Radical de B.F. Skinner, o que não durou mais que alguns livros (quando percebi que o próprio conceito de Contra-controle acabava também por dar circularidade à teoria).
É importante dizer também que durante um ano trabalhei seguindo a idéia da Psicologia Social contemporânea, com seu ético-estético (que, no entanto, pelo que a própria teoria diz, não tem a finalidade de criar uma ciência da mente humana). Me empenhei em pesquisa e estudo dentro da biologia (neurofisiologia e bioquímica) acreditando que o conhecimento do cérebro levaria à compreensão da espécie humana; é como pensar que olhar os chips de um computador nos indicarão o que está na tela, ou olhar um CD nos indicará como é a música que tem nele.
As neurociências não foram suficientes para estudar o humano...
No momento atual, tento juntar a Psicologia Cognitiva (o que temos de menos pior até agora) com as Neurociências, para termos alguma compreensão sobre o homem, tentando separar suas implicações filogenéticas, ontogenéticas, e culturais.

Se consegues ver essas quebras de paradigma dentro da minha própria história, podes ver que de religioso não tenho nada... O que leva as pessoas a pensarem que sou um "apaixonado" é que, enquanto não tenho conhecimento de evidências contra a teoria a qual defendo, visto a camiseta e levanto a bandeira (o que não vejo mal nenhum em fazer, contanto que não se feche à aparição de novos fatos científicos).


Minhas divagações atuais sobre ciência:

Como podemos ver em vários filmes recentes (Sombras de Goya é um bom exemplo), historicamente ocorreram inúmeros erros em favor de teorias que se julgavam certas. O Darwinismo Social, a Religião, o Comunismo, etc, condenaram milhões de pessoas à morte por causa de um ideal de verdade contextual.
É exatamente o ponto onde tanto a ciência indutiva quando a dedutiva parecem falhar. Se somos puramente descritivos, nunca poderemos julgar nada sem um imeeeeeeenso número de observações; se adotamos um método explicativo, corremos o risco de deixar os fatos passarem despercebidos e fazemos julgamentos precipitados.
A resposta que uma grande parcela de psicólogos tem dado para essa questão é "não vamos julgar, então", que, convenhamos, não resolve o problema.

Atualmente quando me perguntam sobre o que acho das teorias que estudamos na faculdade, freqüentemente respondo algo do tipo: "A Psicologia Social atual até que tem serventia, a Psicanálise que caia fora".
O que tenho visto como interessante na contrução do conhecimento científico entra aí.

Meu modelo atual é que o conhecimento ocorre em uma espiral tridimensional, como uma mola, no entanto sua base é larga e seu topo é estreito. Pode-se pensar que é uma alegoria à dialética, mas com um novo eixo.

O conhecimento se melhora quando existe uma junção entre uma teoria com base em fatos científicos e um conhecimento sem teoria alguma, que chuta pra todos os lados, totalmente pulverizado. Conforme vão ocorrendo interações entre a teoria e a anti-teoria, vão ocorrendo novas experiências, e a espiral vai crescendo verticalmente (eixo vertical representa o número de fatos explicados).
Desse modo, podemos pensar no paradigma ético-estético como coadjuvante para o melhoramento da ciência, pois será o cara chato que estará sempre cutucando o cientista onde julgar que há equívoco (para que não matemos milhares de pessoas em nome de uma teoria falha).

Se o paradigma ético-estético passa a ser uma teoria, perde sua serventia, pois aí entramos num novo dilema; precisaremos de uma outra teoria para 'controlar' a teoria que deveria 'controlar' a teoria científica. A anti-teoria da nossa espiral obrigatoriamente deve ser uma anti-teoria, e não uma teoria concorrente (o que manda a psicanálise para longe, pois ela também não se encaixa com os critérios da teoria científica do outro eixo do gráfico).
Assim, uma das coisas que também penso é que a Psicologia Social atual não deveria ser ensinada como uma teoria no meio acadêmico, mas a ciência em si deveria ser acessível para a população, de forma que se evitem erros.

NÃO ESTOU DEFENDENDO UM ANTI-TEORICISMO, COMO VEM OCORRENDO DENTRO DO CAMPO DA PSICOLOGIA. O PERSONAGEM PRINCIPAL DESSA HISTÓRIA TODA SEGUE SENDO O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, ESSA É SOMENTE UMA PROPOSTA PARA DEIXAR A CIÊNCIA PSICOLÓGICA MAIS DEMOCRÁTICA.

Enfim, talvez tudo isso que eu disse signifique alguma coisa para mais alguém...
Espero que alguém possa opinar e apontar pontos fracos, pois eu mesmo já encontrei vários.

sábado, 18 de abril de 2009

Ciência e Psicologia

Originalmente, quando instalei um contador no meu blog, pensava em usá-lo apenas para isto – contar quantos visitantes o Espadachim Cego recebia. E, de fato, o Bravenet Counter faz isso, como vocês bem podem atestar, mas ele também vem com alguns outros recursos que, talvez por irem um pouco além da mera quantificação, permitem inferências muito mais interessantes.

Destes recursos, o que eu considero mais rico é Visitor Analys (Análise de Visitantes), que permite ver de onde são os leitores das minhas bobagens e o que os trouxe até este blog. Como eu sou mão fechada, uso a versão gratuita do contador, que só disponibiliza as informações dos dez últimos visitantes. Ainda assim, posso atestar que, na maioria dos casos, as pessoas que vêm até o Espadachim Cego são interessadas em Ciências Humanas, especialmente Psicologia.

A Análise de Visitantes não me permite saber se estas pessoas são em sua maioria psicólogos, estudantes de Psicologia ou apenas leigos interessados levemente no assunto. Posso, porém, dar um conselho para todos os que pretendem fazer a graduação em Psicologia um dia ou que entraram este ano na faculdade: preparem-se para estudar uma disciplina cuja cientificidade é altamente contestada, apesar de sua relevância. Que quero dizer com isto? Quero dizer que, por mais que nosso campo de atuação seja amplo e nosso trabalho como psicólogos seja requisitado e importante para a sociedade, sempre haverá um grupo considerável de pessoas que questionará os fundamentos teóricos e a validade do que fazemos. Estes céticos encontram-se em contextos muito diferentes – são filósofos, cientistas da área das exatas (Física e Matemática), e mesmo cientistas sociais e psicólogos – mas que compartilham a dúvida (muitas vezes a certeza) a respeito de um projeto de ciência psicológica. A principal questão que eles levantam é: pode a Psicologia ser considerada uma ciência?

Outras perguntas surgem desta: tal questionamento é positivo, quero dizer, traz algum benefício para a Psicologia ou a sociedade? Pessoalmente, acredito que a resposta para esta questão é afirmativa. Primeiro, por que trabalhamos com um assunto realmente delicado, onde qualquer certeza dogmática a respeito de nossas capacidades e limitações seria potencialmente fatal, seja para nosso projeto científico quanto para as pessoas que atendemos, e um questionamento saudável a este respeito, seja ele incitado por nós próprios ou por outros campos de conhecimento, nos ajuda a mantermos a humildade e o foco. Segundo, a discussão sempre atual da cientificidade da Psicologia, mesmo que não traga nenhum outro benefício concreto, nos proporciona uma oportunidade impar de exercitar nossas capacidades cognitivas e conhecer outros pontos de vista, o que é sempre necessário (e bem vindo) para a criação de novas redes neurais e o fortalecimento de nosso intelecto.

A segunda questão é mais relevante: que argumentos são utilizados por aqueles que consideram que a Psicologia não pode ser considerada uma ciência? Não creio ser capaz de fazer uma lista exaustiva de argumentos, mas o principal (e que mais aparece em discussões) é que a Psicologia, mesmo passados mais de 100 anos desde sua fundação oficial e muitos progressos tecnológicos, ainda não atingiu o objetivo da ciência clássica: a descrição, previsão e controle dos fenômenos estudados – em outras palavras, dar respostas certas e garantidas a respeito de seu objeto de estudo. É inegável que, se comparada com ciências mais tradicionais, em especial a Física, a Psicologia não progrediu muito neste sentido, pois, apesar da maioria dos processos psicológicos estarem descritos em muitos livros de forma satisfatória, tanto nossa capacidade de previsão quanto de controle de comportamentos futuros é parco, mesmo em suas correntes mais experimentais. Como uma estudante de Filosofia deixou bem claro para mim em uma discussão há algum tempo atrás, isso se deve, principalmente, à subjetividade humana – pois cada ser humano é único e irrepetível, não havendo, portanto, parâmetros para compará-lo com outros e assim criar uma ciência do ser humano.

São argumentos fortes e contundentes, que aparentemente desmontam todo o projeto da Psicologia científica, colocando-a no mesmo nível de rigor que a astrologia e a sabedoria popular. Isso poderia desanimar qualquer interessado em Psicologia, e com razão. Entretanto, se refletirmos com cuidado a respeito das posições teóricas acima apresentadas, perceberemos que elas não passam de opiniões. Não há nenhuma razão empírica, nenhuma experiência bruta que confirme ou refute a viabilidade de uma ciência do comportamento humano, apenas as pessoas interessadas tomam partido de uma ou de outra possibilidade. Os argumentos que aqui apresentei são argumentos racionalistas. Para esta escola, cujas origens podem ser traçadas até Platão, a verdade do mundo só pode ser compreendida através de seu conceito perfeito. Ou seja, só o que é perfeito, advindo daquele plano das idéias de que Platão falava, é verdadeiro, ao passo que o que temos aqui e agora é apenas uma cópia mal-feita, na melhor das hipóteses, ou uma grandíssima perda de tempo, na pior.

Francamente, creio que tal atitude é prejudicial. Ao adotarmos um padrão epistemológico de verdade tão rígido e inalcançável, tudo o que conseguimos, na maioria das vezes, é desestimular qualquer esforço positivo na busca pela verdade, pois, afinal de contas, é impossível atingi-la e, assim, inútil. É uma forma patológica de ver a vida, e os milhares de homens e mulheres que desistem de encarar a vida por terem certeza de que errarão em algum momento e que isto será terrível só reforçam minha opinião.

Proponho uma forma diferente de encarar a ciência e a Psicologia. Não é uma forma nova ou original, pois foi proposta há muitos e muitos anos, pelo brilhante filósofo e psicólogo estadunidense William James: o pragmatismo. Nesta forma de pensar, qualquer idéia que nos ajude a lidar com a realidade de maneira efetiva é, pelo menos em parte, verdadeira, pelo menos no que tange a parte da realidade que afeta. Mesmo que este mundo seja uma ilusão, esta ilusão nos circunda e nos afeta, e não podemos simplesmente ignorá-la e apelar para conceitos mentais perfeitos, abstratos e distantes. Trabalha-se com um processo constante de descoberta e ampliação dos horizontes, pois se baseia na experiência, e não nos ideais, para fazer ciência. Na Antiguidade, era verdade que o mundo era um disco chato, pois era desta forma que os povos de então organizavam a informação que coletavam do universo, e tornavam-se capazes de navegar e desenhar rotas terrestres de comércio; na Idade Média, era verdade que o Sol girasse em torno da Terra redonda, pois com este modelo os navegantes e comerciantes ampliaram suas capacidades de orientação; hoje, a verdade é que a Terra gira em torno do Sol, e graças a essa informação somos mais capazes que nossos antepassados. Quem, destas três distintas épocas, está mais próximo da verdade em Astronomia? Obviamente, atualmente temos maiores conhecimentos sobre o funcionamento das galáxias, mas isto não teria sido possível se não fossem os astrônomos de eras passadas formularem hipóteses imperfeitas, porém melhores e mais verdadeiras que as anteriores. Da mesma forma, daqui a 100 ou 200 anos, se a humanidade continuar existindo de alguma forma, o conhecimento de que dispomos atualmente, seja sobre Astronomia, Medicina ou Psicologia parecerá irrisório, mas terá sido de crucial importância para as descobertas futuras.

Por isso, dentro do paradigma pragmático, é possível fazer da Psicologia uma ciência plena, pois é inegável que ela tem feito progressos, lentos mas seguros, na explicação dos comportamentos humanos. São as pessoas criaturas únicas e irrepetíveis? Sim, são, mas isto não quer dizer que cada um seja uma espécie em si mesma, pois todo homem e toda mulher, por mais diferentes que sejam entre si, compartilham da mesma natureza biológica – contando com estômago, pulmões, cérebro e demais órgãos – dos mesmos traços de personalidade – extroversão, socialização, neuroticismo, abertura à experiência e Realização – e buscando as mesmas coisas – justiça, beleza, bondade, perfeição. Estes pontos em comum são iguais em todas as pessoas de todas as culturas? Não, mas pelo o que se sabe até o momento, são iguais o suficiente para a criação de instrumentos de avaliação psicológica equivalentes, seja no Japão, Alemanha ou nas culturas esquimós do Canadá. De certa forma, somos tão semelhantes entre nós quanto são os cachorros ou os gatos entre si – as diferenças são muitas vezes gritantes, mas ninguém de bom senso diria que um Pastor Alemão e um São Bernardo são incomparáveis por serem tão diferentes. Se não fosse assim, o Homo sapiens nunca teria povoado todo o globo terrestre, pois cada família ou clã que se distanciasse tornar-se-ia uma espécie diferente, e a comunicação entre diferentes povos seria tão impraticável quanto é entre humanos e chimpanzés.

Por isso, acredito que a Psicologia não só pode tornar-se uma ciência como já é uma, pois está constantemente descobrindo coisas novas a respeito de nós mesmos. Contudo, os ideais de descrição, previsão e controle dos fenômenos, tão caros para os cientistas ortodoxos, precisam ser reformulados, ou encarados de outra forma. Um psicólogo não pode, por motivos práticos ou éticos, controlar outro ser humano da mesma forma que um químico controla reações entre substâncias, nem prever o comportamento de uma pessoa como um físico prevê o movimento de um corpo em movimento, pois precisa levar muitas variáveis em conta ao mesmo tempo, podendo desconsiderar várias por não conseguir computá-las. A Psicologia nunca será uma ciência como a Física ou a Química, que em seus campos de ação reinam supremas. Entretanto, isto não significa que devemos renunciar completamente ao status científico. Poderemos descrever fenômenos psíquicos de maneira incompleta, mas ainda conseguir prever quando um paciente caminha em direção à sua autodestruição, impedi-lo de prejudicar a si mesmo e guiá-lo rumo a uma vida melhor. Uso exemplos clínicos, por ser este meu campo de atuação e onde me situo melhor, mas o mesmo pode ser dito de muitos outros casos em muitos outros contextos onde a Psicologia se insere – cresceremos, de forma imperfeita, mas constante.

Referências
James, William (1943). A Filosofia de William James. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Darwin Awards 2008

Os Prêmios Darwin são honrarias oferecidas já há anos para aqueles que levam as idéias do grande Charles Darwin um passo adiante: seleção natural na espécie humana. São agraciados com o prêmio não aqueles que promovem limpeza étnica ou genética de seus semelhantes, mas sim os que se propõe a melhorar o pool genético da população ao removerem a si mesmos e seus conjuntos de genes - acidentalmente...

Este ano temos alguém especial para nós entre os vencedores: o padre dos balões! Não só ele optou por se remover do pool genético uma vez ao jurar celibato como o fez uma segunda vez ao empreender sua jornada derradeira rumo ao paraíso. Double Darwin, como o chamaram.

Nós que aqui ficamos, agradecemos a consideração.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Divulgação científica

Falando com uma amiga minha por MSN essa semana, acabei divulgando um certo blog que fala de ciência, filosofia e coisas do gênero, com a ressalva de que era legível. A resposta dela veio em forma de pergunta: dá para um leigo ler?

Esta pergunta representa bem o estado atual das ciências no mundo. Geralmente, idealiza-se que elas são domínio do cientista, e que pessoas não iniciadas em seus meios são incapazes de compreender a quantidade absurda de dados e teorias. Acho que isto é falha nossa, pois ajudamos a perpetuar este modelo elitista de conhecimento, onde os acadêmicos pesquisam e o resto da população acredita no que eles dizem. Não deveria ser assim, em nenhum aspecto.

Karl Popper, considerado o maior filósofo da ciência do século passado, postulou que, para que uma determinada disciplina ou campo de pesquisa possa ser considerada científica, é necessário que seus postulados teóricos sejam passiveis de teste e falseabilidade. Em outras palavras, que possam ser refutados em favor de postulados melhores. Eu acrescentaria outra característica das ciências sérias: elas podem ser explicadas para qualquer um, numa linguagem relativamente simples e pouco técnica.

OK, admito que essa minha afirmação é bem contestável. Afinal, como poderíamos explicar Física Quântica Teórica para pessoas que nunca estudaram isso na vida, e que no máximo assistiram “O Segredo”, um filme que todo bom físico deseja ver banido da existência? Como não quero entrar em polêmica sobre o filme, e por que não sei lá muita coisa de Física, não sei como fazer isso. Entretanto, em se tratando de Psicologia, Psiquiatria e Neurociências, acredito que isto não é apenas possível de ser feito, mas necessário.

Até o momento, toda boa teoria que li era inteligível – era possível de entender com apenas uma leitura atenta. Nem toda a teoria clara é boa, mas toda teoria boa é clara. Posso não gostar tanto assim de Freud, mas devo admitir que suas proposições são boas, que colaboraram com o progresso da ciência psicológica de muitas maneiras, e, principalmente, que estão expostas de forma a não deixar margem para dúvidas. E mesmo que a teoria seja um pouco indigesta, é possível eu pedir para alguém que entenda mais do assunto me explicar e me recomendar outras leituras para aprofundar meus conhecimentos. No caso das pseudociências, isto não acontece, por que geralmente os textos são truncados e mal escritos (eu diria até que de propósito), e mesmo que se peça ajuda para alguém que entenda da matéria, esta pessoa não irá explicar, por que: 1) o assunto é complexo demais para ser reduzido a poucos tópicos, e fazer isso seria mutilar a teoria; 2) ela também não sabe explicar, mas não quer perder a pose de entendido. Nas vezes que pedi explicações sobre pseudociências, ouvi a primeira alternativa, mas tenho fortes motivos para acreditar que a segunda é mais verdadeira.

Além de tudo isso que já falei, divulgação científica é legal! Se não fosse pelos caras que se prestam a transformar a ciência em uma complexidade mais compreensível como Lévi-Strauss fala, eu saberia muito pouco sobre câncer, física de partículas ou até mesmo minhas queridas Neurociências. São, sem dúvida, assuntos bem complexos, mas que dizem respeito a todos nós. Sou suspeito para falar, mas acredito que todos em nossa sociedade, não importa qual profissão decidam seguir, deveriam ter uma formação científica sólida, para poder entender o que se passa nos confins da pesquisa avançada, e compreender como isto pode afetar-nos. No Ensino Fundamental temos uma aula sobre bichinhos, plantinhas, átomos e tubos de Becker que se chama “Ciência”. No Ensino Médio, ela se desdobra em Biologia, Física e Química, e por mais interessantes que possam ser, são insuficientes, pois aprendemos apenas o que é tomado como certo – só vemos coisas as coisas velhas, e dificilmente abordam-se desdobramentos recentes nestas áreas (eu aprendi, por exemplo, que o número de neurônios mantém-se constante ao longo da vida, quando não é bem assim). Além disso, saí-se dessas aulas com a impressão de que a ciência é a portadora da verdade, que cientistas sabem tudo, quando é justamente o contrário: cientistas não sabem nada, e é por isso que pesquisam! Por que pesquisar o que já se sabe?

A divulgação científica está aí para popularizar a pesquisa e a ciência entre as pessoas leigas, que não trabalham em áreas tão especializadas. Pode parecer um trabalho bobo, até mesmo simplório, ficar falando em termos simples para pessoas que não sabem muito do assunto. Entretanto, acredito isto ser fundamental, não só para tornar a ciência mais palatável e divulgada, mas para criar o tipo de sociedade democrática e crítica que desejamos.

sábado, 31 de maio de 2008

A Liberdade é Terapêutica

Famosa frase do psiquiatra Franco Basaglia, que se tornou o slogan do Movimento Antimanicomial, um movimento político da segunda metade do século XX que defende a proteção dos Direitos Humanos para os usuários do sistema de saúde mental. Como tradicionalmente o serviço de saúde mental se constitui como oferta exclusiva do hospital psiquiátrico, também chamado de manicômio, e como esse estabelecimento possui algumas características intrínsecas de funcionamento que violam por si só os Direitos Humanos (internação forçada, desapropriação de bens, contenção química, isolamento, impossibilidade de participar da vida civil e também formas de terapia pseudocientíficas extremamente bizarras, como a indução de febre, o eletro choque e a imersão em água fria), o Movimento Antimanicomial ganhou esse nome por defender a abolição dos manicômios, que tradicionalmente são o único estabelecimento responsabilizado pela saúde mental.

Essa idéia ainda hoje é escandalizante, pois a nossa cultura bastante fundamentada na neurose, na intolerância e na segregação, não consegue conceber como alguém pode querer que os loucos fiquem soltos na rua. Só que esse é um movimento fundamentado tanto na observação e crítica de práticas bastante opressivas quanto de longas reflexões teóricas entre intelectuais, então o mínimo que se poderia supor é que quem defende a abolição dos manicômios sabe do que está falando. Apesar da conduta romântica dos protagonistas, o corpo teórico e conceitual é racional e já se tem muita coisa planejada.

O primeiro esclarecimento a ser feito é que os loucos não ficam ‘na rua’, no sentido de desprovidos de assistência de saúde e condições materiais adequadas. Essa idéia confusa e preconceituosa acaba levando as pessoas a deduzirem que, ou os loucos vão sair por aí sem controle aprontando as maiores loucuras e instalando o caos na cidade, que foi justamente o argumento usado para a instituição dos manicômios, ou que eles vão virar mendigos bêbados e delirantes atirados pelo chão. Mas a condição de doença mental não tem o caos, o perigo e a insanidade absoluta que o senso-comum e algumas escolas de pensamento supõem, assim como leões, elefantes ou tubarões não são bestas impetuosas e que agem despropositadamente, como era o pensamento vigente até a metade do século XX, e servia de justificativa para caçadas esportivas e verdadeiros empreendimentos de extermínio que ainda hoje ameaçam a biodiversidade. Doentes mentais, num geral, são menos propensos a comportamento agressivo do que a população normal, e também não é a loucura a causa da pobreza: falta de condições materiais para satisfazer direitos básicos de existência é que pode gerar a loucura, muito embora outros tipos de loucura sejam evidentes com o acúmulo de riquezas. Assim como eles não são bestas perigosas, mas sim pessoas que portam um grave sofrimento psíquico em função de suas experiências de vida e condições de existência, ele também não vai ser deixado sem ajuda. O Movimento Antimanicomial se baseia na defesa dos Direitos Humanos, é no mínimo óbvio que a intenção é proteger e cuidar dessas pessoas.

Mas não é meramente uma intenção: o Movimento Antimanicomial surgiu com preocupações bem práticas, e juntamente com a fundamentação filosófica, foraa pensadas formas de estruturar os serviços de saúde mental e o sistema de saúde como um todo de modo a alcançar seus objetivos. Para isso, devem ser necessárias práticas de assistências que garantam o acesso à saúde, educação, moradia, liberdade, convívio social, dinheiro, trabalho, justiça e dignidade. Com exceção da saúde, e ainda com algumas ressalvas, nada disso jamais foi suprido pelo manicômio, e nunca poderá ser, pois ele funciona justamente pela internação e pelo controle autoritário dos profissionais da saúde. Então, os serviços de saúde mental estão se estruturando como estabelecimentos aos quais o paciente se dirige quando ele reconhece que necessita de ajuda, e ao qual retorna em função de seu interesse em aliviar seu próprio sofrimento, como acontece com qualquer outro doente. Esses estabelecimentos são hospitais gerais, hospitais-dia, residenciais terapêuticos, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e ambulatórios. Como todo o resto do sistema de saúde pública, ele ainda tem muitas limitações e sofre muitas críticas, principalmente em função da falta de financiamento estatal. Este pensamento prático sobre a reforma do sistema de saúde mental é chamada de Reforma Psiquiátrica.

Mesmo com todas as limitações da Reforma Psiquiátrica, existe um fato que se torna cada vez mais evidente: de fato, a liberdade é terapêutica. Usuários do sistema de saúde mental da Reforma apresentam maior autonomia e estabelecimento de redes sociais, que são fatores terapêuticos, e passam muito menos tempo no processo terapêutico. Essas evidências são basicamente ‘clínicas’, pois a ideologia pós-moderna que atravessa essa luta é um tanto afoita a estatísticas e experimentos. Na verdade, o reconhecimento do caráter terapêutico da liberdade não deriva de nenhuma observação ou teste, mas da simples dedução de seus pressupostos teóricos: os Direitos Humanos são quesitos a ser defendidos para as pessoas viverem melhor e terem vidas mais plenas e dignas, e quem vive melhor terá menos sofrimento, então, considerando que a doença mental é um grave sofrimento psíquico, as boas condições de vida propiciadas pelos Direitos Humanos fazem as pessoas sofrerem menos, ou seja, atuam de forma terapêutica.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Adolescente descobre como decompor plástico em três meses

Notícia bombástica do TreeHugger, sobre um garoto da 11a série do Canadá, Daniel Burd, que descobriu uma tecnologia nova e absolutamente revolucionária para uma simples feira de ciências do colégio. Um dos maiores perigos para o nosso futuro é o acúmulo crescente de plásticos, o material mais utilizado no mundo e do qual a nossa civilização é absolutamente dependente. Então precisamos pensar em alternativas, já há um tempo defendidas pelos ecologistas e cada vez mais pela sociedade civil que tem um mínimo de preocupação com o futuro. O máximo que tínhamos até agora era a reciclagem, que apesar de necessária e muito benéfica e lucrativa, enfrenta alguns problemas de ordem econômica e também não dá conta da produção excessiva da indústria, além de problemas de ordem técnica e comportamental da região, como uma adequada separação do lixo. Mas como a reciclagem não dá conta, nós também precisamos de modificações políticas e institucionais, um novo sistema econômico, mudanças comportamentais drásticas na sociedade industrial, e, para ajudar, tecnologias inovadoras!
Os ecologistas alertam, com razão, que não devemos ter fé simplesmente na tecnologia. Mas é inegável que ela ajuda muito. Também não é possível deixar de ter um certo otimismo ao ver que adolescentes têm idéias inovadoras em ciência juntamente com uma forte preocupação política e ambiental.
O menino usou o nosso conhecido método científico (o que me faz pensar que as escolas no Canadá são realmente boas) e formulou uma hipótese: sabe-se que a previsão de decomposição do plástico na Natureza é de cerca de mil anos, então isso quer dizer que existe algo que produz essa decomposição, provavelmente microorganismos. Esses microorganismos são bactérias aeróbias quimio-heterótrofas com metabolismos altamente versáteis, o que significa que pode usar muitos compostos naturais e até artificiais, podendo sobreviver em ambientes com poucos nutrientes, e se estuda a sua aplicação na biotecnologiam mais especificamente, Sphingomonas e Pseudomonas. A aplicação delas a nível industrial é fácil, basta adicionar fermento.
Acho importante lembrar que isso não significa que agora podemos ser displiscentes quanto ao consumo e ao destino dos plásticos, imaginando que tudo vai se decompor no final e vai acabar bem. A aplicação desta tecnologia se limitará a ambientes específicos, como na fabricação ou em depósitos específicos de decomposição, em vez de batérias polimerófagas espalhadas por todo o mundo e quantidades massivas. Isso significa que a consciência ambiental, que prefiro chamar de modificação comportamental, e a modificação estrutural do nosso sistema econômico baseado em um número limitado de matérias-primas ainda se mostram necessários.