terça-feira, 3 de junho de 2008

Divulgação científica

Falando com uma amiga minha por MSN essa semana, acabei divulgando um certo blog que fala de ciência, filosofia e coisas do gênero, com a ressalva de que era legível. A resposta dela veio em forma de pergunta: dá para um leigo ler?

Esta pergunta representa bem o estado atual das ciências no mundo. Geralmente, idealiza-se que elas são domínio do cientista, e que pessoas não iniciadas em seus meios são incapazes de compreender a quantidade absurda de dados e teorias. Acho que isto é falha nossa, pois ajudamos a perpetuar este modelo elitista de conhecimento, onde os acadêmicos pesquisam e o resto da população acredita no que eles dizem. Não deveria ser assim, em nenhum aspecto.

Karl Popper, considerado o maior filósofo da ciência do século passado, postulou que, para que uma determinada disciplina ou campo de pesquisa possa ser considerada científica, é necessário que seus postulados teóricos sejam passiveis de teste e falseabilidade. Em outras palavras, que possam ser refutados em favor de postulados melhores. Eu acrescentaria outra característica das ciências sérias: elas podem ser explicadas para qualquer um, numa linguagem relativamente simples e pouco técnica.

OK, admito que essa minha afirmação é bem contestável. Afinal, como poderíamos explicar Física Quântica Teórica para pessoas que nunca estudaram isso na vida, e que no máximo assistiram “O Segredo”, um filme que todo bom físico deseja ver banido da existência? Como não quero entrar em polêmica sobre o filme, e por que não sei lá muita coisa de Física, não sei como fazer isso. Entretanto, em se tratando de Psicologia, Psiquiatria e Neurociências, acredito que isto não é apenas possível de ser feito, mas necessário.

Até o momento, toda boa teoria que li era inteligível – era possível de entender com apenas uma leitura atenta. Nem toda a teoria clara é boa, mas toda teoria boa é clara. Posso não gostar tanto assim de Freud, mas devo admitir que suas proposições são boas, que colaboraram com o progresso da ciência psicológica de muitas maneiras, e, principalmente, que estão expostas de forma a não deixar margem para dúvidas. E mesmo que a teoria seja um pouco indigesta, é possível eu pedir para alguém que entenda mais do assunto me explicar e me recomendar outras leituras para aprofundar meus conhecimentos. No caso das pseudociências, isto não acontece, por que geralmente os textos são truncados e mal escritos (eu diria até que de propósito), e mesmo que se peça ajuda para alguém que entenda da matéria, esta pessoa não irá explicar, por que: 1) o assunto é complexo demais para ser reduzido a poucos tópicos, e fazer isso seria mutilar a teoria; 2) ela também não sabe explicar, mas não quer perder a pose de entendido. Nas vezes que pedi explicações sobre pseudociências, ouvi a primeira alternativa, mas tenho fortes motivos para acreditar que a segunda é mais verdadeira.

Além de tudo isso que já falei, divulgação científica é legal! Se não fosse pelos caras que se prestam a transformar a ciência em uma complexidade mais compreensível como Lévi-Strauss fala, eu saberia muito pouco sobre câncer, física de partículas ou até mesmo minhas queridas Neurociências. São, sem dúvida, assuntos bem complexos, mas que dizem respeito a todos nós. Sou suspeito para falar, mas acredito que todos em nossa sociedade, não importa qual profissão decidam seguir, deveriam ter uma formação científica sólida, para poder entender o que se passa nos confins da pesquisa avançada, e compreender como isto pode afetar-nos. No Ensino Fundamental temos uma aula sobre bichinhos, plantinhas, átomos e tubos de Becker que se chama “Ciência”. No Ensino Médio, ela se desdobra em Biologia, Física e Química, e por mais interessantes que possam ser, são insuficientes, pois aprendemos apenas o que é tomado como certo – só vemos coisas as coisas velhas, e dificilmente abordam-se desdobramentos recentes nestas áreas (eu aprendi, por exemplo, que o número de neurônios mantém-se constante ao longo da vida, quando não é bem assim). Além disso, saí-se dessas aulas com a impressão de que a ciência é a portadora da verdade, que cientistas sabem tudo, quando é justamente o contrário: cientistas não sabem nada, e é por isso que pesquisam! Por que pesquisar o que já se sabe?

A divulgação científica está aí para popularizar a pesquisa e a ciência entre as pessoas leigas, que não trabalham em áreas tão especializadas. Pode parecer um trabalho bobo, até mesmo simplório, ficar falando em termos simples para pessoas que não sabem muito do assunto. Entretanto, acredito isto ser fundamental, não só para tornar a ciência mais palatável e divulgada, mas para criar o tipo de sociedade democrática e crítica que desejamos.

3 comentários:

adri antunes disse...

ei menino! obrigada pela visita em meu blog! parece que pensamos parecido em algumas coisas! hehehe...vc citou levy-strauss o que pra mim já é suficiente para te disparar um sorriso de simpatia! venha me ver mais vezes, tb voltarei!

R.S. Kreitchmann disse...

discordo de ti amiguinho...
acho que o problema não está na linguagem técnica utilizada em artigos científicos, e sim no baixo nível intelectual da população.
A ciência é complexa e tentar simplificá-la é omitir dados...
Tomemos como exemplo, como se poderia explicar a um 'leigo' o mecanismo de funcionamento de um receptor metabotrópico? Impossível!
A população tem pouco conhecimento sobre o que é pesquisado nas universidades, e aí se constitui esse distânciamento entre o cientista e o leigo.
Esse teu discurso me pareceu defender a crítica foucaultiana ao saber-poder molar.

Andarilho disse...

Pois é, amiguinho R.S., tu tens razão. Como eu bem disse no texto, todo mundo deveria ter uma formação científica decente já na escola, e isso inclui leitura de coisas mais "hard". Mas discordo de ti, e acho que dá pra explicar mesmo o funcionamento de um receptor metabotrópico de forma mais simplificada, sem necessariamente omitir dados. Claro, para esse assunto específico (que admito não saber nada) é bem provável que alguma coisa se perca na tradução, mas desde que passe a idéia correta, não tem problema. A função da divulgação científica é interar a população geral das descobertas mais recentes da ciência, e garantir os meios para, caso alguém se interesse mais pelo assunto, possa aprender mais a respeito (e daí sim ler termos muito mais técnicos).

Quando escrevi esse texto, foi pensando nos pós-modernistas (Lacanianos em especial) que exigem um ritual de iniciação para que tu realmente entendas as teorias deles (ou pelo menos ganhe o direito de fingir que entende). Com ciência de verdade, chega um ponto que não dá pra prescindir de termos difíceis para leigos, mas até esse ponto, acho que deve ser tudo deixado bem claro para quem não é especialista no assunto.