sábado, 2 de fevereiro de 2008

A Pesquisa Maldita - A Opinião de Ivan Izquierdo

Infância de jovens homicidas será foco de pesquisa
*Matéria publicada no jornal Zero Hora, em 25 de janeiro de 2008.

Embora a proposta de exame do cérebro tenha levantado polêmica nacional sobre um projeto de pesquisa gaúcho com jovens homicidas, especialistas esclarecem que são os cuidados na infância que formam um dos pontos cruciais do trabalho.

Uma das hipóteses que deverão ser testadas é a de que o estresse continuado durante os primeiros anos de vida predispõe à agressividade.Se aprovada pelos comitês de ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Pontifícia Universidade Católica - apesar da avaliação de um grupo de psicólogos, advogados e representantes de ONGs expressa em abaixo-assinado de que a iniciativa estigmatiza os infratores - , a pesquisa vai procurar as origens do comportamento violento de internos homicidas da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado (Fase).Um dos responsáveis pelo trabalho, o professor do departamento de Genética da UFRGS Renato Zamora Flores, aposta que uma das conclusões será a importância dos cuidados nos primeiros anos de vida.- Minha hipótese é de que os eventos relacionados com o comportamento violento serão os maus-tratos e o estresse nos primeiros anos de vida. O estresse continuado levanta o nível do hormônio cortisol que, nos primeiros anos, esculhamba o cérebro - avalia.

A avaliação deverá incluir entrevistas com familiares e testes com 50 internos a fim de avaliar condições sociais, psicológicas, genéticas e psiquiátricas que ajudem a explicar a agressividade juvenil. Se aprovada, a pesquisa deve começar em março.

Sobre a liberdade de pesquisar
Vários dos principais pesquisadores em neurociência do comportamento do país, pertencentes à UFRGS e à PUCRS, elaboraram um projeto de pesquisa que visa a estudar aspectos do funcionamento cerebral que possam estar relacionados à violência. Haja visto a enorme incidência desta no Brasil, sabidamente um dos países mais violentos do mundo, e o fato de que a neurociência estudou durante décadas os mecanismos cerebrais vinculados com a violência em animais, o projeto é sem dúvida de grande interesse. O projeto visa também a avaliar a participação de aspectos sociais e socioeconômicos na violência no país.

Chama poderosamente a atenção que um reduzido grupo de sociólogos e psicólogos (101 pessoas ao todo) não vinculados à atividade científica tenha emitido publicamente uma forte opinião contrária à realização desse projeto. No melhor estilo da censura prévia da Espanha da Inquisição, da Alemanha de Hitler, da Rússia de Stalin, ou da Romênia de Ceausescu. Se opõem ao projeto em si, e algum deles promete exercer essa oposição "ao nível que for preciso": jurídico, etc. Alegam que o projeto é elitista, talvez porque na sua fase inicial estudará internos da Fase - ex-Febem. Não comentam o fato de que o mesmo prevê o estudo de outros indivíduos numa fase seguinte, inclusive "filhinhos de papai". Alegam que é "triste a universidade que ainda se mobiliza para esse tipo de estudo", ignorando que é justamente a função dela realizá-los; duas universidades, neste caso. Certamente não é função dos leigos opinar sobre o assunto sem ter base para tanto. Os 101 assinantes prevêem conclusões fatídicas desse estudo, que não foi ainda sequer começado. Não o leram em detalhe, porque se o tivessem feito, teriam percebido que o projeto prevê estudos sociológicos e socioeconômicos também, em paralelo.

Este é um momento em que parece renascer o obscurantismo no Brasil que julgávamos desaparecido com a implantação da República. Ao mesmo tempo em que não-cientistas emitem virulentas declarações sobre ciência, como esta dos 101 assinantes mencionada acima, surgem grupos de antiviviseccionistas, grupos de opositores ao uso de fármacos ou vacinas para o tratamento das doenças etc.

Felizmente, a reação da grande imprensa a essas críticas desvairadas e amadorísticas foi rápida no caso do projeto do estudo da violência. A imprensa percebeu que aqui, no caso de um problema de tanta importância, o certo não é proibir "a priori" aquilo que se desconhece, senão investigá-lo. Quanto mais o façam, melhor será a possibilidade da procura de soluções, a diversos níveis. Espero que o projeto dos professores Jaderson da Costa (PUCRS) e Renato Zamora Flores (UFRGS), e do secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, seja bem-sucedido. Trará luz a um problema que deve ser abordado de muitos ângulos, e só assim encontrará solução alguma vez. Evidentemente, já que o cérebro é o órgão que organiza, decide e comanda os atos de violência, é útil saber como o faz. Jogar uma ideologia em cima de semelhante problema será simples, mas não tem trazido resultados até agora; nem no Brasil nem em parte alguma do mundo.

"IVAN ANTONIO IZQUIERDO Integrante do Centro de Memória da PUCRS e da Academia Brasileira de Ciências

Fonte: Notícias do CRP-RS.

Um comentário:

. disse...

Comparar a oposição a um procedimento investigativo que tem o consentimento dos participantes com a oposição à vivisssecção ou ao uso de psicofármacos foi uma baita bobagem, e só evidencia a ideologia de uma ciência separada da ética e da sociedade, e que obviamente coloca todas as discussões éticas num mesmo saco e joga no lixo.
O primeiro caso é uma oposição a um método de pesquisa que a teoria julga inadequado, não por ser ineficiente, ams sim porque os RESULTADOS da pesquisa podem gerar preconceito, como ele descreveu muito bme no artigo.
No segundo caso temos um grupo que se opõe à utilização de um método violento e não-consensual, que retira a liberdade e a dignidade dos indivíduos, que, em função de ideologias antiquadas e confusas que permeiam a universidade(Bacon, Descartes e Claude-Bernard, principalmente), são colocados a uma posição inferior, o que é absolutamente contrário à teoria da evolução e qualquer reflexão ética que posso ser derivada daí, a fim de desenvolver tecnologias e encontrar resultados. O problema é um método específico, e não os resultados, como no primeiro caso. Tanto é que esses caras ainda se dão ao trabalho de inventar métodos alternativos pra que o vivisseccionista que não entende de epistemologia possa continuar com a sua bolsa de pesquisa. Esses caras não negam a utilidade de fazer um ratinho transgênico autista para descobrir muitos mistérios do autismo; simplesmente dizem que o ratinho não fica feliz com isso, e mesmo se ficasse, não é justo, porque não é justo fazer isso com uma pessoa. Nâo seria a primeira vez que um método de pesquisa violento seria p´roibido, pelo menos depois do Tratado de Nuremberg.
No terceiro caso, é uma discussão ética e também técnica, em função das evidentes disputas por lucro e poder das empresas farmacêuticas e dos muitos efeitos colaterais e às vezes até opressivos dos medicamentos. Não acredito que eles devam ser absolutamente dispensados, pois podem ser úteis. Mas uma defesa fervorosa dos psicofármacos também seria uma bobagem. Aqui não se trata mais de busca de conhecimento, mas sim da aplicação de uma tecnologia, que obviamente é comercializada e obviamente não é perfeita.
Não dá pra confundir a investigação científica com a produção e uso de tecnologia, mesmo que estejam intimamente ligadas. E uam coisa é proibir um método, um caminho eticamente questionável, outra coisa é determinar que um determinado objeto de estudo é inexplorável.
Esse comentário do Izquierdo foi preconceituoso e ideológico demais pra deixar escapar.